sexta-feira, maio 02, 2008

Curtas 13 – Quero que Saibas


Porque quando voltares eu já cá não estarei, deixo-te esta carta porque quero que saibas que esperei por ti.

Quero que saibas que não te deixei do lado de fora da porta, ou sequer arrumada numa gaveta velha, rangente, fechada com uma chave que se partiu. Não;

Quero que saibas, que estiveste sempre ali, na prateleira de mármore sobre a lareira, onde mais se fazia sentir o calor dos meus sentires sempre que te pensava (e era sempre em ti que constantemente pensava);

Quero que saibas que o passar do tempo, não arrefeceu em mim o sentir-te enraizada sob a minha pele, alimentando-te do meu sangue (pois neles tu cresceste e te desenvolveste a cada pulsar, sempre, em contínuo em mim);

Quero que saibas que nunca ninguém te substituiu, nem nada nunca ocupou qualquer um dos teus lugares (pelo contrário, foste tu que foste ocupando cada vez mais lugares de mim, ao ponto de quase não sobrar espaço para mim próprio);

Quero que saibas que sem ti, o tempo passou a correr tão mais devagar e os sentidos que a vida fazia, foram-se esmorecendo, mas não tu (porque tu, foste sendo sempre cada vez mais a espera, o motivo da espera, o tudo que na própria espera, deixa até de ser espera);

Quero que saibas que o sol e a lua se cansaram de passar pelos meus olhos, mas os meus olhos nunca se cansaram de te procurar no caminho de acesso à nossa porta (que passou a nunca estar fechada à chave, com receio que chegasses e por te teres esquecido da tua, fosses de novo embora);

Quero que saibas que os meus braços sempre se abraçavam à noite, na procura da sensação dos teus, que envolta no meu tronco, me trariam uma vez mais o sentir das tuas formas (essas que pelo castigo da tua ausência, eram já apenas uma quimera);

Quero que saibas que as sombras da rua passaram a ser possíveis lugares onde te imaginava escondida a observares-me, pela necessidade que a memória das mãos fazia rasgar em ti de uma simples visão de mim (tal como eu era constantemente dilacerado pelas minhas);

Quero que saibas que por vezes desejei nunca te ter conhecido, mas sem isso, sei que nunca me teria conhecido em pleno a mim e então esse desejo desaparecia e ficava uma vez mais, apenas, o imenso desejo de ti (esse que me fazia crescer uma solidão no peito, por quando nas mãos vazias de ti nelas ver nascer as noites de mim);

Quero que saibas tudo, tantas coisas, tantos sentimentos, tantos sentires, tantos devaneios e até loucuras, tanto tu, tanto eu, tanto, tanto...

Quero que saibas por fim, que eu já cá não estou não porque tenha desistido de ti. Apenas o tempo de espera foi demasiado longo e a minha vida encontra agora o seu término (essa mesma vida, que decorreu numa espera contínua e ininterrupta de Ti);

E quero que saibas, que te deixo esta carta para que fiques a saber tudo isto quando voltares, mesmo... sabendo eu... no mais íntimo de mim... que não voltarás.

22 comentários:

Azul disse...

Dear Brain!

Quem AMA sempre espera. Mesmo aqueles que, no mais intimo de si, sabem que quem se ama não voltará.

Quero que saibas (e sabes) que ler-te é e sempre será um imenso prazer, um momento de reflexão.

Um óptimo fds
Beijo
Azul

G disse...

Tão lindo! Exactamente o que eu precisava de escrever a alguém e não consegui...

chrysaliis disse...

Palavras para quê... impressionante como podemos encontrar alguém que descreve tão bem o que também nós estamos a sentir...

Beijo esvoaçante

LB disse...

Sentir�s algo oposto um dia... � bom que a mem�ria fique intacta... as cartas existam em papel... mas a alma, essa encontra outros caminhos e segue!!!

BF disse...

És sempre tão forte na tua escrita...
Este poste consigo o transformar no meu sentir. Tocou-me imenso.

Esta pequena parte resume a fase da minha vida actual ...

"Quero que saibas por fim, que eu já cá não estou não porque tenha desistido de ti. Apenas o tempo de espera foi demasiado longo e a minha vida encontra agora o seu término (essa mesma vida, que decorreu numa espera contínua e ininterrupta de Ti);"

BF

Unknown disse...

Brain. que palavras dizer... pergunto-me eu... simplesmente estou embasbacado a olhar para o monitor a abanar a cabeça de como tudo o q disseste me dilacerou por completo. tudo o que escreveste sao sentires e pensares que me escravinham a alma e o coração...
que cada frase. cada palavra. cada letra... cada pensar... cada sentir... foram tao enormemente sentidos e pensados por mim que me chegaram a penetrar no olhar imagens, flashs de rascunhos do passado que guardo numa qq gaveta fechada q tento nao lembrar...

tudo o q disseste foi imensamente abraçado por mim... pareceu uma psicanalise que me fizeste... nao tenho palavras e ja escrevi tanto...

ponho-me de pé e aplaudo...

porque em cada momento. traduzi para as cinzas embrulhadas em lagrimas do meu passado... e revi-me num espelho mirrado... que escondo em lugares q pretendo nao relembrar.

ADOREI as CURTAS.

enorme ABRAÇO

Maria José disse...

Saudade.
Lágrima.
Sobriedade por fora.
Estilhaços lá dentro.

Só.

Jose disse...

O tempo de espera, em busca da palavra amor é eterno.

Belo texto

Aquele abraço


José

Miriam disse...

"...foste tu que foste ocupando cada vez mais lugares de mim, ao ponto de quase não sobrar espaço para mim próprio..."

Sem palavras...vc colocou no papel/tela o que me vai na alma...

Fantástico
Parabéns

Maria Oliveira disse...

Adorei o blog!
Textos sempre de uma força humana exemplar!!!
Bom saber que ainda há seres humanos com estas potencialidades de expressão e comunicação!

Abraço

Claudia disse...

Sabe com certeza. Quero que saibas que nunca senti tanto as tuas palavras como estas...

Beijo, para que saibas.

NARNIA disse...

Brain tu escreves...
As palavras chegam suavemente até nós embrulhadas em sentimentos...

Peach disse...

Comoveste-me...

eu entendo-te... talvez por isso fiquei sem palavras.

beijo enormeeee

as velas ardem ate ao fim disse...

Quer que saibas que és importante para mim!

bjinho

P-S disse...

Palavras que escrevemos para alguem ler, mesmo sabendo que podem nao o fazer ou que fazendo podem nao o sentir. Palavras que se deixam de Post-Scriptum como o mais importante da mensagem!

Adorei o texto
Abraço

Trapezista disse...

Bom dia Brain... há Amores que nos escrevem no peito, nos prendem com um fio invisivel para sempre... inexplicavelmente ao olhar do outro, ao sublime toque das mãos, ao sabor ardente dos lábios... Amores que pela sua essência nos fazem transbordar o melhor de nós... Amores não de um dia ou noite, mas de todos os dias e noites... envoltos numa brisa de aromas eternos, que nos tatuam para sempre a pele...

Beijo meu

Trapezista

Gasolina disse...

Ler-te sempre como se fosse a surpresa da 1ª vez. Uma e outra e sempre.
Um "bilhete" longo a devorar os sentimentos expostos.

Um beijo grande Brain, tudo de sempre bom.

Seastar_ Hannanur disse...

Envolvente...como sempre!

quero que saibas...que é sempre uma delicia ler o que escreves.

e sim...nada como uma Paixão para nos sentirmos vivos!

kiss

Som do Silêncio disse...

Sabes...
Já li este texto vezes sem conta, e penso sempre "é agora que vou comentar", pois acho que está uma verdadeira delícia.
Depois, entro nos comentários e fico sem palavras...
Acabo por sair e penso "volto mais logo e aí consigo".
Ao fim de algumas tentativas...Brain, desculpa, mas não tenho palavras para comentar este post.
Está Soberbo!
E mais não posso nem consigo dizer!

Beijo terno

pin gente disse...

não comento agora...é bem reler antes de o fazer

Doces e Aromas disse...

Está realmente SOBERDO .. LINDO e acima de tudo sentido !!!

Parabens

Anónimo disse...

tropeçei neste blog hoje, comentei o 1 porque senti que tinha algo a compartilhar. Mas este, quero que saibas qua não há palavras para exprimeir a solidão que fica, o nó na garganta.

Bjinho
Luzinha