sábado, abril 30, 2016

DE NOVO

Tinha(mos) tudo.
As mãos, o cabelo, os olhos.
Tempo em que acontecia(mos). E era(mos).

Naquele tempo tinha(mos) tudo.
A pele do teu pescoço. O toque dos teus dedos. O silêncio dentro do mundo.
A minha voz nomeava-te para descrever a beleza. E eras tu. E eu era em ti.

Naquele tempo tinha(mos) tudo, e eu perdido. No teu mistério.
Diferente todos os dias. Vontade de nascer a cada manhã. No teu rosto.
Sem palavras. Em ameno. A sentir cada pedra. O voo de cada ave. Cada pétala.

Naquele tempo tinha(mos) tudo e depois, a vontade dos nomes. Dos lugares.
A vontade de tudo em tudo. Os quereres. Tantos. Todos. Perdemo(-no)s.
Recolhe(mo)s as mãos. Cortas(te) o cabelo. E os olhos, são lugares de frases que (já) não dizes.
Somos coisa sem mistério. Vale(mos) quase nada.

Apaga a luz.
Deixa que o som da noite entre no quarto. Ele anda solto pelas ruas. Em busca (de nós).
Dá-me o teu nome. Deixa que o respire. Deixa que com ele eu seja. Te (re)encontre.
Deixa que o abrace. Que o tome como meu (outra vez). Por dentro de mim.

Apaga a luz.
Deixa a máscara do olhar. Não preciso dela para os teus aromas. Pálpebras. Texturas.
Conheço de cor todos os (teus) caminhos, brisas e silêncios. Neles tudo acontece.
Somos futuro. Amanhecer.

Apaga a luz.
Deixa(-nos) tudo acontecer. De novo.

sábado, abril 23, 2016

AO TEU ENCONTRO

Cheguei para sempre a este lugar que és tu. À minha frente o vazio e lá em baixo, a esperança última de te reencontrar. A brisa corre-me entre os dedos. Esses que metia por entre os teus cabelos. No aroma deles. A textura que me afagava. Eu procuro dizer-me que tudo é agora outra coisa. Penso. Mas tudo é menor que a certeza da tua ausência. Essa que trago tão presente em mim e me enche de tanto nada. Os teus braços. Pequenos, doces, em aperto. À volta de mim. E o meu pescoço agora tão só. Tão absoluto de brisa. A tua morte a passar de boca em boca. Os olhares para mim. Sei que todos imaginam a sua própria dor. A dor que é minha e que ninguém quer sentir. Mas ela é minha. Habita-me. Preenche-me. Não deixa lugar sequer ao teu respirar. Penso-te. E a memória de ti não é maior que a tua ausência. Tenho-te. Desde o início de ti que não sou mais apenas eu. E por vezes estou em frente ao espelho como se morresse. Antes morresse. E agora estou aqui como se não fosse mais acordar. O barulho dos carros atrás de mim. Por vezes tudo se ilumina. No pensamento a tua luz abarca todas as minhas sombras. Líquidas. Perenes de ti. Caminho sozinha. Procuro-me procurando-te. Não te encontro. Nunca te encontro. E no entanto, tu sempre em mim. Absoluto. Nasceste-me no dia em que te dei à luz. Conheci-me. Extasiei-me. Elevei-me acima de mim. Conheci um novo existir. O meu existir. Não mais nunca sozinha. Não mais nunca apenas eu. O verdadeiro nós nasceu contigo. Linguagem Amor. E agora eu. Apenas eu. Só eu. Tenho a morte. À minha frente o vazio e por entre os dedos esta brisa. Brisa que me empurra os pés. Brisa que me eleva as pernas e a vedação a não mais existir. A ficar para trás. O barulho dos carros a tornar-se longe. Lá em baixo a esperança única de te encontrar. E eu quero tanto encontrar-te. Uma vontade absoluta. Com ela abarco o mundo. Todo o mundo. Porque é de vontades absolutas que o mundo precisa. É de vontades absolutas que tudo avança se constrói e nasce. E eu preciso renascer. Eu preciso nascer de novo contigo. Mas tu já não és. E eu preciso de também não ser para te encontrar. Lá em baixo a esperança. Neste lugar que és tu. Lembro os espelhos em que tu não estás. Cedo à brisa que agora me empurra. Sinto-me pouca coisa. Sinto-me feita de brisa. O vazio por baixo. As minhas mãos vazias. E nada mais existe senão nós. Tu que já não és mais. Eu que quero não ser. E o tempo. O tempo que nos separa na viagem. A lembrança total das coisas. O querer esquecer. Mas o ver-te. O caminho é leve mas no entanto o tempo. Nada mais nos separa senão o tempo. Falo. Grito o teu nome para dentro de mim. Para a brisa. Quero desesperadamente encontrar-te de encontro ao meu peito. Onde há muito estás. Olho em volta. Apenas trevas e pontos de luz. Riscos de luz e ao fundo a água. Já sinto o aproximar líquido. Infância. A brisa que percorre o meu corpo em queda. Tu que és tanto e eu que não sou nada. Um lugar vazio na memória de ti. Demência. Lugar de esquecimento todo este espaço. Penso. O teu riso. Memória de sons em rigor. Matéria mágica de bem saber. Dor. O meu corpo em estremeço. Linguagem Amor. Dor. A madrugada em movimento. Eu em movimento. Ao teu encontro. Digo-me em queda mas não me sei. Tu ao fundo mas não te vejo. Terror do fim. Imagino-te de braços abertos à minha espera. Perdoa-me. Preciso que me perdoes. Não fui suficiente para ti. Morreste. Eu em movimento ao teu encontro. Terror. Medo que não estejas porque não te vejo. E eu preciso que estejas. O fundo já muito perto. E eu sem te ver. Fecho os olhos. Agora a brisa é apenas um querer. E de repente: a água um estar. Cheguei. Não te vejo. Sangro. Não estás. O rio é masculino.

sábado, abril 16, 2016

TEU NOME

Olho-te, e de ti nada sei.
Quem és. O teu nome. Os caminhos até aqui.
É melhor assim (penso). Passos anónimos. Página em branco.

Não digas nada.
Trarias dores. Cicatrizes. Mágoas a escorrer pelas paredes. Rostos emoldurados.
Palavras Cruas. Invernos e outras ausências.
Falarias de outros nomes em corpos que desconheço.
Braços em força, talvez. Ou sorrisos em ferida. Escuros.

Não me digas nada. Quero-te assim:
Vislumbre de primeiro olhar. Em infância. Corpo anónimo. Em segredo.

Se quiseres, conta-me mentiras enquanto te aconchegas nas minhas palavras.
Nelas tudo é real. Podes concretizar-te. Em desejos. Vontades. Em futuro.
No que não foste. No que queres ser. Noutra vida ou até mesmo na tua. Não sei.
Do teu passado apenas os teus olhos. Profundos. E as tuas mãos. Trémulas.
Que não falam. Dizem de ti. Noites.

Não. Não me digas nada. Deixa ficar assim.
Sem mordaças nem palavras impossíveis. Sem enganos. Sem tabus.
Deixa que o nós aconteça. Que os teus lábios falem os meus. Apenas.

Não quero o engano do teu nome. Em esquecimento.
Já basta o (frio) destino. Que nunca se esquece.
E nunca se engana no nosso nome.

sábado, abril 09, 2016

FOMOS

Preenchi todas as rugas e arranjei cada fio de cabelo. Revi o meu léxico. Anulei a pronúncia, e levei em mãos todas as palavras para ti.
Falei-te. Disse-te do amor. Mas tu (já) não eras mais do que um amontoado de silêncios. Em acumulação. Delírio de significantes. Por saber.

O pão permanecia em cima da mesa. Semi-cortado. A mesa era a mesma e o banco também.
(tábuas velhas - dizias tu). E eu, olhando para elas, só nos via em vida. Tu: o pão fresco, saboroso, ainda morno. Eu: A mesa que te dava suporte. E o banco(?), algo que estava por ali. À procura de se encontrar.
Delírio (meu) de significados.

Tu eras o pão, a mesa e até a própria faca. Tu própria. Apenas. Só. Em autonomia. Não nós.
E eu, mais não era senão o banco. Perdido. Sem função (para ti). Na tentativa de me encontrar. Em significados.

Parei. Olhei-nos no tempo e vi-nos em unidade. Em alegria e carinho. Em toque e pele. Lábios em sorriso. Uma casa única, audível, sensível. Líquida. Quadro distante de uma realidade alheia.
Falei-te. Gritei-te para dentro da pele. Mas eram os teus silêncios que habitavam dentro de ti. Não eu. Não as minhas palavras que não te alcançavam. No profundo.

Pensas. Olhas-me. E de ti monossílabos. Palavras nuas. Isoladas. Em ardor e escudo terrífico. Habitas um lugar longínquo. Em abismo. Conjunto penumbra, lento de várias mortes. Onde não estou. Nunca estive. Nem o banco. Nem tu.

sábado, abril 02, 2016

NUNCA EM MIM A RÉSTIA DO TEU NOME


A paixão é já uma palavra antiga na memória do meu corpo, e a luz que sempre trazias e com que me multiplicavas é a mesma que agora me divide. Fala-me. Chama-me. Mas não me digas do meu nome na tua boca. Porque há na boca palavras aninhadas. Empedernidas pelo tempo. Que não querem ser proferidas de viva voz. Eu digo-te: a minha luz és tu. Mas o que é a luz? Por que palavras se mede o tempo da paixão? Tu não sabes. Sempre adormeceste primeiro e era eu quem me perdia no tempo da contemplação. Sonhavas longe enquanto repousavas das curvas do meu corpo. E eu era o sonho.

Passa ao longe um barco. Devagar. Eu seguro a luz com ambas as mãos num abraço total dos momentos. Mergulho em mim. Já não te sinto. Divido-me. Divides-me. E no frapé ainda a garrafa virada. O gelo derretido no tempo futuro e os copos em ausência. Fragmentos de passado. Como tu. Sou agora um corpo de ausências absolutas. Que te imaginam. Que te sonham. Que gritam baixo o teu nome na sombra dos lençóis, cansados dos dias e das noites em branco. Sem os teus lábios no meu ouvido à boca da noite. Sem as tuas palavras no meu ventre. Sem a réstia do teu nome no meu.

É fria esta luz. Está escuro. E tu agora és só sombra. E tempo. Em falta.

(foto: Mandrake)