sábado, novembro 05, 2016

ÚLTIMO BEIJO

Rente aos teus olhos acordei com um aroma de pele. Mudo, o tempo, levou de si toda a significância. Eram mares que nos continham em margens e no entanto, era em lago que existíamos. Tu, numa delicadeza de flauta. Eu, em força de tambor. Mas quando juntos, éramos sempre melodia de piano, feita orquestra de um só músico. Sem maestro. Sem regência. Ao ritmo apenas das nossas vontades.

Partimos cedo ao encontro do tempo. Do nosso tempo. Aquele que imagináramos e quiséramos para nós. Mas que não o soubemos fazer nosso. Responsabilidades. Dizias tu. Vida. Respondia-te eu. E no nosso desconhecimento, não sabíamos que um conspirava contra o outro. Sei que não nos permitimos destruir os nossos castelos. Mas eles ficaram vazios. E a tua inexistência nos espaços deles, tornou-os frios. Agrestes. Antípodas do que projectáramos. Alheios.

Foi um ar de surpresa que fizeste, quando na divisão final de memórias te disse que para mim, apenas queria um último beijo teu. Não quis deitar fora tudo o resto. Isso nunca se perderá. Apenas quis algo mais. Não um ponto final. Mas um final maior. Em beijo. E foi quando ainda surpreendida acedeste, que rente aos teus olhos acordei com um aroma de pele. Da tua pele. Mas sabia-me atrasado. Em vida. E que não era manhã, com ela toda pela frente, mas antes noite. A nossa noite. Em hora de despedida.

Foi rente aos teus olhos que com o aroma da tua pele acordei. Mas já era tarde.
No nosso diário nada mais se escreverá. Mas ele está todo preenchido.
E levo-o comigo. Em sentires.

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