No fundo de mim,
Mora um outro eu.
Um eu,
Que não sendo eu,
É por vezes muito mais eu,
Que eu próprio.
É um eu escuro,
Negro e absorvente,
Que continuamente,
Me chama me apela,
Me puxa e empurra,
Me apanha e arrepanha,
Leva-me ao fundo de mim,
E envolvendo-me com as suas negras raízes,
Toma-me todo o ser,
Os quereres e as vontades,
Os saberes e as verdades.
Mas um dia...
Um dia eu ganho-lhe!
É uma sombra,
É um monstro,
Uma besta,
Com quem luto diariamente.
Tentando manter-me afastado,
Tentando manter-me à tona,
Numa luta diária, constante,
Absorvente, desgastante,
Que me levando o tudo,
Me cobre com o seu manto,
Deixando-me assim,
Absorto,
E fora de mim.
Mas um dia...
Um dia eu ganho-lhe!
Ele está sempre lá,
À espreita,
Procurando do lado de cá,
Por uma simples fresta estreita,
Que lhe permita entrar,
As minhas vontades tomar,
Contra o interior de mim me atirar,
E uma vez mais no chão,
Desleixadamente,
Me prostrar!
Mas um dia...
Um dia eu ganho-lhe!
Um dia eu venço!
E prevalecerá apenas aquilo,
Aquilo que eu quero,
Aquilo que eu penso!
Um dia,
Que será só meu!
Um dia,
Que contarei apenas eu!
Um dia,
Que longe não estará,
O olharei nos olhos,
E lhe poderei dizer que já,
Na minha morada não morará mais,
Nem nos anexos,
Ou nos quintais,
E sem complexos,
Com força nos meus reflexos,
Do fundo de mim o arrancarei,
Com todo o meu querer o farei,
Com o desejo pelo momento em que finalmente,
A uma qualquer altura de repente,
Não tenha que com ele encarar,
E para o fundo novamente resvalar.
Um dia...
Um dia sem dúvida eu ganho-lhe!
E esse dia não está longe…
Não, não está nem pode estar,
Porque nesta angústia não posso continuar,
Com este sufoco tenho de acabar,
Isto tem de TERMINAR!
Por isso Monstro,
Vem! Aparece!
Mostra-te para que enfim,
Eu possa tudo acabar,
Este sofrimento terminar,
E para sempre te encerrar,
Nas masmorras de mim.
Um dia… é hoje!
Hoje é o dia,
Em que tu morres para mim,
E eu...
...eu Morro em ti!

(em memória do meu primo Vitor, que cometeu ontem o derradeiro acto de libertação, do suicídio)