sábado, julho 22, 2023

UMA VIDA MAIS

Sonho que voo. Sobre a vida abro asas e voando alto encontro um Deus no qual não acredito. Mas ao qual peço: Preciso de uma vida mais. De todas as viagens voltamos sempre mais velhos do que quando partimos. E eu já tenho muitas. Acumuladas. Por entre a chuva, trago a lua que te entrego em mãos, sob o olhar atento do urso que carregas ao peito. Com o seu lado B percorro a casa. Embrenho nos corredores e atrás de cada porta encontro pedaços que escondes. Que não são meus. Que não sei se são (ainda) teus. Ou sequer se são mais que fiapos de bandeira. De um campo de rosas longe no tempo. Perdido. Em lugar incerto.

Preciso de uma vida mais. Mais um ano, um dia, um segundo. Viver-te é tão intenso. E eu preciso de tudo. Uma hora do teu olhar. Um minuto das tuas mãos. Um segundo da tua pele. Onde as viagens sempre recomeçam. Onde com ferocidade sempre me (re)encontro. Consecutivamente. Infinitamente. E onde te peço que venhas comigo. Porque tenho medo que um dia não. E eu fique para sempre na noite escura. Numa viagem sem destino. Num quarto com ecos de passos alheios a ti. Num perfume comum. Que não o teu.

Não me olhes assim. Tu sabes-me. Sou o mesmo de sempre. Cada vez mais assim. Cada vez mais aqui. Sei que decresço. Que todos somos tempo em falta. E que por vezes nada mais carrego senão loucuras devastadoras acumuladas em lágrimas suspensas. Em choros que faço pequenos. Em segredo. Mas tudo o que sou e trago cabe nas tuas mãos. Quando (em carinho) seguram as minhas. E me engolem as montanhas. E me fazem ar. E transformam as lágrimas em gotículas de orvalho. Que deposito com um beijo, nos lábios do teu sorriso. Levantando novo voo.

Uma vida mais. Preciso de uma vida mais. Apenas uma é demasiado pouco.
Para todo este sentimento. Para todos os regressos.

Para nos viver.

sábado, julho 15, 2023

AGORA SOMOS SÓ NÓS

Como um acto contínuo, inevitável, (e por vezes até) absurdo, volto a ti. Agora que os telefonemas diminuiram de frequência. Que as mensagens vão rareando. Que as vidas continuaram (menos a tua). Que os pensamentos aos poucos se foram desviando. Agora filho, agora somos só nós.

Há tantas coisas que acredito que saibas que sinto e que não te sei dizer. Doem em mim todas as palavras que te ficaram a faltar. Todos os metros de caminho que te ficaram por percorrer. O não saber com que pensamento adormeceste. E (num acto egoísta) o acreditar que chamaste por mim, como eu não me cansei de fazer por ti, quando soube que partiras.

- Foi o meu nome que o teu coração articulou na sua última batida?

Agora somos só nós. E o tempo não passa. Permaneço a saber de ti. A ouvir aquelas palavras a perfurar a minha mente. A estilhaçar ecos por todo o corpo. O peito a apertar. As pernas a falhar. E esta sombra que se espalhou dentro de mim. Semeou escuridão. Encobriu todos os prazeres. Relembro os pedidos que em menino me fazias e eu não podia satisfazer.

- Fui eu a tua última e maior falta?

Agora somos só nós filho. E esta dor que é tanta. Doem-me as culpas todas que sinto. Doem-me as memórias que me fazem sorrir. Doem-me as mãos que seguram esta tua foto. Em que correndo ao meu lado olhas a meta. Marcando o ponto a que iríamos chegar juntos. Como eu pensei que sempre aconteceria. Até eu não. Eu. Não tu. Porque assim o determina o normal da vida. E agora, sem ti, como conseguirei eu chegar onde quer que seja?

- Fui eu a tua maior dor na partida?

Agora somos só nós.
E eu não sou mais que um mar de dúvidas. Em tumulto.

Em vazio.

sábado, julho 08, 2023

O MEU SILÊNCIO

O meu silêncio tem o teu nome.
É assim, com este que é o meu sentimento mais profundo. Como os sapatos carregam a poeira dos dias até que a escova a remova, assim o meu silêncio carrega as sílabas que compõem o teu nome. Até que um beijo as faça luz. E penso. O que são as palavras? A que te nomeia é simples. Pequena. Duas sílabas apenas. No entanto tem esta capacidade de gerar convulsões no meu peito. Em expectativa. Quase ânsia. Eco de múltiplas loucuras. Até ao momento em que as bocas estão frente a frente na distância de um beijo por acontecer. Explodindo nos lábios sensações antecipadas. Em desejo.

O meu silêncio tem o teu nome.
Guardo esse silêncio nos recantos de mim. Deixando-o assim. Meu. Até ao momento em que tu. Em corpo. E como um lobo dando sinais da sua fome, tento arrancar pela pele toda a saudade fazendo-o destino. Absorvo-te com o olhar. Um ombro em súplica. Pescoço em espera. Ventre em desalinho. Passo pelo decote do teu corpo que me chama, mas é sempre no olhar. É nesse olhar onde nem sempre chegam as palavras, que começo toda uma revolução. Junto com as tuas mãos. Que me agarram. Fazendo de mim um destino sem dor. Em que te aportas. E me segredas ser minha. E que aquele é o momento. E nada mais importa.

O meu silêncio tem o teu nome.
É assim, com este que é o meu sentimento mais profundo.

Arde em mim no lugar de todas saudades.
Como uma fogueira dos segredos.
Que nunca se extingue.

sábado, julho 01, 2023

NA NOITE

Imersos na noite, minhas mãos deslizam sobre a tua pele procurando pelo teu apaziguamento. És um conjunto de pequenas dores. Sonos em falta. Estranhas palavras que acumulas nos poros. Te prendem as vontades. Arrefecem a vida e te agigantam sombras. Pelas minhas mãos, que te percorrem o corpo procurando pelas dores físicas, expeles as outras, em pequenos suspiros. Os teus, que libertas do íntimo, e os das minhas mãos que suspiram por ti. Que percorrem o teu corpo, mas que era rompendo vontades que queriam estar. Em diálogos surdos de bocas. Em profundo. Em calor.


Deitada deixas-te ir. Os caminhos das minhas mãos elevam-te. Resgatam-te dos meandros dessas pequenas loucuras. Enquanto eu inverto. E mergulho em vontades reprimidas. De te ter. Por completo. Olho-te nesse teu disfrute. Vejo que o teu rosto se abre. Que a tua luz, a pouco e pouco, vai chegando. Voltando a casa. E sinto-te a ir. Já não és tu que estás comigo. Mas o que restou da purga. Apaziguada. Como quem diz sereno. Quase paz. É agora o teu sono que me faz companhia. Me fala de ti pelo teu corpo que permanece em repouso. Inerte. Muito tempo. Como quem não tem do que fugir. Como quem fica porque quer ficar. Como quem está em casa. Em aconchego.

Deito-me ao teu lado e num abraço, cubro-te o corpo. Sincronizo o meu respirar com o teu. E ali. Naquele momento. Somos um só. Em existência. Em físico. E na minha (enorme) vontade de ti. Que permanece desperta. Não dorme. Sentindo-te. E que num repente se agita quando a tua mão, num movimento (inconsciente?) procura pela minha. E a agarra. E apertando-a fica. Como barco que se amarra ao cais. E lhe dá a razão da sua existência.

É noite. É já tarde. É já tão tarde.
E eu fico no desejo que ela não acabe.
Que o dia não nasça.
E que nós sejamos assim. Um só.

Até o amanhecer de uma nova vida.