sábado, junho 10, 2023

NADA EM MIM

Nada em mim cresce agora. Distraído com o passar dos dias, não me apercebi do início da queda. Nem das folhas que indicavam que o tempo estava já magoado. O outono chegou e eu continuava. Feliz. A cantar as promessas da primavera. A esperar os sonhos do verão. Como quem ignora que os sonhos podem ser feridas que não cicatrizam nunca. Permanecem sempre abertas. Que nos levam consigo ao lugar mais profundo de nós. De onde tantas vezes queremos fugir. Achando que por simplesmente o ignorar ele deixa de existir. Quando nele todos os dias se morre um pouco. Do seu silêncio.

Quero hoje o teu Olá. Bate à porta do meu corpo e diz-mo. Como sempre o fazes. No fim do primeiro beijo. Mente-me que me queres. Mais uma vez. Diz-me que não tens horas para voltar e que noite será nossa. Para sempre. Que os retratos sobre a mesa irão ser os nossos. E que será sempre o teu, o perfume na escada. O som dos passos que a percorrem. Eu saberei que não é verdade, mas guardá-lo-ei no lugar dos sonhos. Como segredo. Como quando chamas pelo meu nome para dentro do teu corpo. E eu deixo-me ir. Em desejo.

Pergunto-me agora se é assim me despeço de ti. Longe dos teus olhos. Onde está sempre frio. E são agora as minhas mãos que me despem das vestes. Substituindo as tuas. E o teu nome vagueia rente aos meus lábios. Quase sempre por dizer. Numa quase dor. Na qual aguardo provavelmente o teu regresso. Secretamente. Aqui. Onde é a noite que agora me morde a pele. E me pergunto se o meu nome ainda é articulado em alguma parte do teu corpo. Ou se ele já o esqueceu. Desfigurado. Pelo cansaço de todas as esperas.

Nada em mim cresce agora.
Doem-me os dedos sobre as palavras.
E sou consciência, que o inverno chegou.

sábado, junho 03, 2023

ACORDA-ME AGORA

Nas intermitências da vida, desta que é a nossa, deixei-me encurralar. Eu, que nunca quis ficar presa. Eu, que nunca abdiquei de voar. Fiquei. E durante este ir ficando, fui-me perdendo. Distante de mim. Até à dormência. Até o não querer voltar. Desse lugar onde me fiquei. Ao longo do percurso. Como quem já não quer voltar a casa. Como quem carrega as sombras do caminho. Para com elas encher os espaços (agora) vazios. Todos. E tê-las como companhia.

Por isso, acorda-me agora Meu Amor, e diz-me.
Diz-me que ainda acontecemos. Diz-me que não tenho porque correr. Que a nossa casa (ainda) é a meta. E que já não há caminho a percorrer. E que aqui (ainda) é onde sempre quisemos estar. Mas diz-mo baixinho. Numa língua de carinho. Macia. Com palavras limpas. Não nessa língua suja e estranha, que me atiras. Que me inflama a pele. Me diz todo o inverso das palavras que pronuncias. Como pedras que apanhas do chão. Em ferida.

Acorda-me agora Meu Amor, e diz-me num beijo.
Diz-me que devo ficar. Porque não são os copos que (já não) bebemos. Porque não são as conversas que (já não) temos. Porque não são os carinhos que (já não) trocamos. Mas sim porque (ainda) somos nós. Diz-me que não há nenhum outro lugar onde prefiras estar. Que (também) a tua luz nasce aqui. Que a doçura das palavras não se perdeu. E que ainda somos tudo.

Ou então,
Se o teu beijo já não é capaz de dizer nada disto,
Deixa-me partir.

A ver se ainda não é tarde de mais.
Para me (re)encontrar.