sábado, abril 22, 2023

INTEIRA

Por vezes começam assim as histórias mais simples.

O ângulo do sorriso. A brisa a balançar a ponta do cabelo. O olhar a tocar o corpo antes da mão. Os dedos que se tocam sobre a mesa. A magia do instante em que as bocas se aproximam para o primeiro beijo.

Mas a nossa foi diferente.
Fomo-nos surgindo em palavras. Fizemo-las tempo. E espaços. Nelas existíamos. E como quem acaricía o sol, fomos fazendo delas calor. Alimento. E por vezes, na lonjura da tua voz, repetia-as baixinho. Para mim mesma. Para te sentir em mim. Na vibração que elas provocavam no meu peito.

E apenas muito mais tarde, num dia em que apenas o rumor dos meus dedos no teu cabelo era som. Que acontecíamos em espaços nos lábios. Que respirávamos com a violência de um querer urgente. Que a tua voz não tinha palavras enquanto repartíamos sofregamente o silêncio. Que emudeci. Quando ouvi pela primeira vez na tua voz. Em sussurro. Em chamamento. O meu nome.

Foi nesse momento. Em que o teu olhar estava fixo no meu. Que a tua voz o articulou. Que a tua boca o fez real em ti. Que ele passou a ser um nome com significado. Com peso. Completo. Real. Por em voz. Que eu me soube tua. Na palavra grande.

Depois disso, muitos sóis e muitas luas.
Os joelhos que se tocam por baixo dos lençóis. Os pés que se encontram numa intimidade de pele. Serena. Em carinho. Em desejo. Mas por mais vezes que eu vista o teu corpo. Que nele aconteça sempre em excesso. É na tua voz. Sempre na tua voz. Que melhor me encontro.

Porque em nenhum outro lugar, eu me sinto assim.

Inteira.


sábado, abril 08, 2023

PALAVRAS INTEIRAS

Adorei a mala que me deste. É diferente. Distinta. E sei que o fizeste com esse mesmo propósito. Adorei. Mas como dizer-te, sem menosprezar o teu esforço na busca, e o teu empenho na escolha, que preferia que o tempo que passaste a procurá-la, o tivesses dispendido a pensar em mim? Que o tempo que passaste nas lojas, tivesses estado comigo? Os momentos em que as tuas mãos tocaram as malas, fossem meus? Porque é na minha pele que quero os teus caminhos. Não por esse mundo fora. Nos meus olhos o teu estremecimento. Não nas paragens de um qualquer país. Longe do meu olfato. Que por dias e dias formula o teu cheiro. E neles vou tentando ter-te, vestindo quando me deito, esta tua velha camisa desbotada, para te sentir mais perto. Sobre mim.

Mas as distâncias são cada vez maiores. Em espaço. E apenas acontecemos a miúde. Em tempo. Para nos cumprirmos. Nos mínimos. Sei-te longe. Mesmo quando ao meu lado. E por isso hoje tenho ciúmes das palavras que saem da tua boca. Por a tocarem. E querê-la minha. Assim como as palavras. Todas. Para mim. Mas agora só as meias. Não as inteiras. Essas que são carregadas de silêncios.

Sei quais as inteiras que tens guardadas para mim. Há muito que as espero. Mas tu não as dizes. E eu, embora não as queira ouvir, estou já dorida destes silêncios de espera. Por isso diz-mas. Não precisas de as atirar. As palavras ganham peso quando pronunciadas. E as inteiras são muito pesadas. Não mas atires. Pousa-as apenas no meu colo. Onde outrora a tua cabeça. Para a carícia dos dedos no teu cabelo. Pousa-as no meu colo com a delicadeza que conseguires. E podes sair. Deixa-me a sós com as palavras. Estas. Inteiras. As que não queria. As que não têm espaço para silêncios. Mas que são as que tens para mim. Pousadas. Apenas. Não atiradas. Nem gritadas.

Elas já o irão fazer por muito tempo. Dentro de mim.

Vai.
E ao sair não batas com a porta.
Quero ter esse último silêncio de ti, para o poder guardar.


sábado, abril 01, 2023

TOCA-ME. DEVAGAR.

Deixo cair o tempo sobre o teu nome e repito-o a todo o instante nos meus lábios cansados, por ele me faltar ainda em quase tudo. Chegámos ao Amor por um mapa de solidão, e por isso nunca os quero descansar, quando exaustos de todos os beijos que as nossas bocas insistem em conseguir, por tanto se pedirem e quererem. Em união. Contínua. Em desejo. Profundo. Quando juntas.


Elas são as pontes entre a nossa nudez, quando o perfume da tua pele invade o meu corpo vazio pela tua ausência, e nele traças com os teus lábios os caminhos para o nosso lar por acontecer.
Esse, que constróis com os teus dedos, quando neles entrelaças palavras de sonhos por viver, e edificas os alicerces de uma vida que renasce como uma certeza infinita no primeiro dia de cada fevereiro.

Vem. Fica. Não tenhas medo do Amor. Pousa a tua mão devagar sobre o meu peito e sente o meu respirar. Nele encontrarás todas as coisas que em nós não param de crescer. Continuamente florescem, ainda que por vezes o inverno de todo o tempo de ausência. E mesmo que chova ainda, não te importes. Sabes que sempre chove nos primeiros dias de fevereiro. Assim como sabes que são as maiores tempestades que derrubam os maiores muros.

Por isso, toca-me. Devagar.
Chama-me ao teu peito com as tuas mãos.
O meu corpo só reconhece o teu.
E eu nunca sei onde é que ele mais te quer.
É a tua vez, de o desvendares.