sábado, setembro 30, 2023

CASAMENTO

Trouxe-te pela mão até aqui, ao lugar de todos os sim.

E como quem olha a vida através dos teus olhos, digo-te todos os prometo.
Porque felicidade só se escreve com as letras do teu nome.
Porque tu estás na origem de todas as minhas palavras.
Porque és tu. Em tudo. Como coisa única. Sem partes.

Por isso agora diz-me.
Diz-me que o verão nunca é eterno. Diz-me que dias de inverno também virão. E que todas as estações passarão por nós mas tu, tu sempre estarás aqui comigo. Porto para a minha frágil embarcação emocional. Em querer. Em seguro. Em ficar.
Tu Sabes dos meus braços cansados. Sabes das minhas sombras. Sabes que por vezes preciso tanto delas como do sol. Sabes que elas são tanto eu como a luz.

Por isso Meu Amor, diz-me.
Diz-me não que ficarás, mas que te irás esforçar.
Diz-me não que seremos sempre nós, mas que irás lutar.
Diz-me não que a vida será sempre bela a teu lado, mas que no fim de todos os túneis tu estarás lá.
Diz-me.
Diz-me porque eu, eu já não me sei sem ti.

E o Amor,
esse,
já só se diz pela tua voz. 

sábado, setembro 23, 2023

NÃO PARTAS AINDA

Onde vais? Deixando-me aqui sozinho a soletrar carinhos com a ponta dos dedos. É cedo ainda. E as palavras que semeei na tua pele ainda não ganharam raízes. Não têm força de subsistência. Por isso não partas. Ainda. Não me deixes sozinho. Sob todo o silêncio. Espera que a luz das letras forme o dia. Deixa que as frases nasçam. Espera uns minutos mais só para que se desenvolvam. E quem sabe, formem um texto. Que te seja ternura. Ou quase ternura. E que te leve a ficar. Umas letras mais. Um verso. Uma estrofe. Ou na loucura até todo um poema.

Não partas ainda. Há todo um tempo vida que parou quando chegaste. E eu não mais envelheci pelo lado de dentro. Onde não sou a minha idade pele. Sou a idade completa dos teus sonhos. E se te vais, todos eles esmurecem. Dissipam. E a minha idade torna-se matéria obsoleta. E eu não quero ser só passado. Sem linha de horizonte de futuro. Sem o atrevimento de querer seguir. E apenas ficar. E fazer de toda a luz cantos escuros. E deixar que as palavras apodreçam desarticuladas na minha boca. Indizíveis. Por falta de destinatário.

Tu sabes que é o teu respirar sobre as letras que as alimentam.
Tu sabes que são as correntes quentes da tua voz que as aquecem.
Tu sabes que é a claridade dos teus olhos que as revelam.

Por isso não partas. Ainda.
Deixa-me tentar uma vez mais, escrever o meu nome no avesso da tua pele.

Onde estás agora?


sábado, setembro 16, 2023

DOEM OS DIAS

Sabes Pai, por vezes doem-me os dias.

É tremendo o peso que carrego sobre os ossos dos pés. E os dias doem. São pálpebras de pedra que batem contra todos os espelhos. Racham. Esmagam. Pela dor, chego a desejar o esquecimento. Deixar de ser eu frente a este mar imenso de nomes a que outros chamam vida. Não ser nem
memória. Ser apenas silêncio. Ou olhar. Por cima do ardor.

Doem-me tanto os dias às vezes Pai.
São toda uma devastação. São as feridas de todos que me rasgam a pele. Tudo sangra. Como espinhos numa garganta que canta. Canta a sua dor numa tentativa parva de purga. Porque a dor não se purga. A dor não se expele ou sequer se aniquila. A dor vive em nós. Em pequenas trevas. A dor somos nós. Em pequenas lâminas.

Doem-me tanto os dias Pai.
Na lembrança das coisas, vejo todas as despedidas. Todas as casas agora sombriamente vazias. Todos os abraços dissolvidos. Leitos desfeitos. Palavras caladas. Há frases inteiras para sempre gravadas no vento. E sinto. Tudo acaba. Tudo morre com o seu nome. Como flores que bebem as jarras. Como raízes que apodrecem a terra. Em silêncio.


Doem-me os dias Pai.
Numa dor que sou todo eu, ouço, vezes sem conta, o mesmo eco:
Porque continuo aqui? 

sábado, setembro 09, 2023

DUETO A SOLO

Caminho descalço sobre as palavras para não as ferir. Por entre o tempo que se derrama sobre as suas letras, por vezes, mora o medo. E como não sei onde fica o seu epicentro (fraturas expostas), de algumas guardo distância. Desconfortos de existência. Como se num carrossel as suas letras formem uma magnetização própria. Que me atrai em contínuo. Delas fujo. Não as uso. Em cobardia. Por não saber o que depois delas fica. Por não saber como ficas.

Há quem seja comum. Pouco acrescento. Mas não tu. Gosto de te ver chegar ao texto. Demorares-te nele. Ver os teus olhos navegarem pelas suas ondas. Os arqueios dos teus lábios a acompanhar a sua navegação. Os brilhos surgirem nos salpicos deixados pelos ventos amenos que te vão trespassando o peito. E depois da leitura, como quem beija na boca, olhares-me nos olhos. E com o seu silêncio dizeres-me que sou teu. Como quem fala Amor. E o diz numa canção.

Seremos sempre nós por entre as sílabas. Serás sempre embalo.
Condimento das frases. Música. Calor e lágrima. Corpo de texto.

Vagas de sentires.
Dueto a solo.

sábado, setembro 02, 2023

IMENSIDÕES

Nunca quis a profundidade do espaço. Nem toda a imensidão de desconhecido que ele encerra. Com toda a sua beleza e possibilidades, ele é-me apenas excesso. E eu quero-o em mínimo. Em nada. Se ele representa a distância de ti, quero-o ínfimo. Inexistente. Porque todo o espaço é silêncio. E eu transbordo todos os teus. Quero as tuas palavras a serem casa para os meus olhos. O teu olhar as minhas estrelas. E que sejam as tuas curvas a definirem as minhas fronteiras.

Dir-te-ia que te amava ainda antes de te conhecer. Amava a ideia de ti. Aquela a que vieste dar corpo. Mostrando-me o quanto te pensava em pouco. Aterradoramente incompleto. Por não te conhecer. Por te pensar para além de mim. Quando a tua existência é tão profundamente a minha. E sem a tua, ela é tão escassa. É possível eu existir sem ti? Os nossos caminhos nem sempre foram comuns. E ainda assim, os nossos passos foram-se sincronizando para chegarem a hoje.

Esquece o céu. A Lua. As estrelas.
Vamos ver o mar.

No mar tudo se une. Todas as existências se partilham. E nas ondas temo-nos. Em marés. Como vagas em movimento. Ora suaves. Ora em força. Mas sempre em movimento. Como que levando-nos. Como que sendo-nos. Deixa-te elevar pelas ondas. Deixa que o teu corpo flutue. Que seja maré. E que os meus braços te sejam rocha. Te firmem. Como fio vermelho que liga o fim a todos os inícios. Como ponte que une margem nenhuma. Como desculpa para a vida.

Acordamos juntos?