sábado, dezembro 16, 2023

CAOS

Como sentir este momento?
Dedicaste a vida a produzir cor. De uma forma ávida distribuir beleza. E num repente partiste. E agora o universo inteiro parece uma tempestade infinita de beleza. Beleza em dor. Que nenhum sentido literário ou estético é capaz de dissimular. Sei que queres alegria e celebração. Queres vida a brotar pela ponta dos dedos. Queres alegria a jorrar pelos olhos. Mas eu. Eu nem sequer sei como sorrir agora. Os meus dedos estão fechados sobre as mãos. Não têm forma de produção. Os meus olhos estão fechados para qualquer cor. E tudo o que sinto é esta escuridão. Dentro. Funda. Que me absorve. Que me anula.

Como sentir este momento agora?
Que sentido fazem as palavras quando nem a elas se bastam. Impossíveis de entender. E este medo que cresce. Que não pára. Porque é noite. Porque foi o absurdo que tomou o lugar. E tudo então parou. E o amanhã parece um lugar demasiado distante. Por sem ti. E eu só procuro um sentido. Uma ponta de luz por dentro do peito. Cada vez mais cansado. Do teu não respirar.

Aporto o meu barco.
O universo inteiro é agora uma tempestade infinita de beleza.
E nele tu.
A estrela maior.

 

sábado, dezembro 09, 2023

TEMPO

Acordei com o sabor do teu nome na minha boca.
Voltei a fechar os olhos como querendo resgatar-te para luz e disse baixinho o teu nome. Como que a murmurar Amor ao teu ouvido. Mas tudo é agora longe e o tempo tem uma dimensão muito diferente. Porque é assim o tempo dos sonhos. E no entanto, também nele tu permaneces. Onde a intimidade é sempre outra. Onde os dedos se riem junto com a tua pele. E nela plantam raios de sol. Que a fazem brilhar. Como os teus olhos. Magnéticos. Dos quais todo o tempo passado longe é um desperdício de existência.

Acordei com o sabor do teu nome na minha boca.
E com a força com que um barco fende as águas de todos os mares, o meu corpo chama por ti. Em vontades. Desejo de continuidade. Profundo. Nestes encontros incontrolados és sempre Tu. Como uma inevitabilidade. Onde existimos a pedaços. Em descontínuo. Mas sempre em vontades. Contínuas. Sem tempo. Pois em todos os tempos tu existes. Em mim. Assim. Em Amor.


Quero-te em todos os tempos.
E o tempo contigo é sempre isso.
Medida. Em falta.

sábado, dezembro 02, 2023

FRIO

Estão já frias as páginas do livro que deixaste sobre a cama. Calor nenhum da tua pele repousa agora sobre elas. Nem partículas do teu olhar. Ou algum dos ímpetos com que o fechaste para me olhares. Bem dentro dos olhos. Fundo.
- Sempre me soubeste despir com o olhar.

Dizias que no meu peito batia um coração selvagem. E insistias para que eu o libertasse. Enquanto com as unhas me sulcavas na pele passagens para ele emergir. Caminhos de sentido único. Em jeito de lava. Como torrentes. Enquanto com o corpo chamavas pelo que dizias ser esse outro que habita em mim. Rebelde. Desregrado.

Mas eu sempre fui ser dominante. E cobri de gelo todas as fissuras. Selei todos os acessos. E fui sempre eu. Apenas eu. E por entre todos esses bloqueios, fomos acontecendo. Como seres únicos. Que nos reconhecíamos. Em pele. Em Toque. Odores. Existência.

O livro permanece sobre a cama.
Foram momentos únicos. Irrepetíveis. E na sua irrepetibilidade reside o conforto da familiaridade do porvir. Ainda que em surpresa. Sempre em surpresa. Para além de todas as letras. Sobre todos os espaços de silêncios. E de todas as palavras que ficaram por dizer.

Porque as palavras nem sempre são complemento.
E as aspas não nos dizem do texto completo.

sábado, novembro 25, 2023

NÃO ME PERGUNTES

 Não me perguntes de novo o que é a verdade.

Que te dizer mais senão que tudo dentro de mim chama por ti.
Que é nas entrelinhas dos nossos beijos que melhor me encontro sem palavras.
Que só me completo quando te ouço chamar pelo meu nome, onde já tudo és tu.
E que é quando me afagas a mão, em aperto, que mais me sinto teu.
Só Teu.

Amo-Te. E amar-te é reconhecer o excesso de todas as restantes coisas.
É reconhecer que os meus dias só começam com o teu “Bom dia”.
Que são as palavras que trocamos que conferem razão aos minutos.
E que o auge da minha existência ocorre quando os meus braços te envolvem o corpo.
Os teus olhos segredam aos meus a infinitude de todos os instantes.
E os teus lábios me repetem em silêncio, num beijo, que és minha.
Só Minha.


Por isso Meu Amor, não me perguntes.
Não me perguntes de novo o que é a verdade.

Porque impotente me reconheço,
como totalmente incapaz,
de te responder.

sábado, novembro 11, 2023

TODOS OS BEIJOS

Todos os beijos nascem no teu olhar.

São inconfidências de silêncios que os nossos olhos trocam e que os lábios não dizem, por não saberem soletrar sozinhos a palavra Amor. E no entanto sorriem. Sorriem porque guardam dentro de si o sabor de todos os beijos. De todos os encontros dos nossos mais profundos íntimos, que se soltam, nas carícias das línguas quando nas nossas bocas se amam.

E nas vezes em que a boca é incapaz de conter o beijo, em que ele explode para fora si mesmo, como quem quer mover todas as palavras num único instante para o íntimo da pele do outro, nessas vezes, o beijo transborda. Então, deposito os meus lábios naquela curva interior do teu pescoço, no ponto onde guardas os segredos dos teus arrepios e, suavemente, em bicos de esmalte, mordo-te a pele como quem diz Desejo.

E aquando das distâncias sem perdão, que impedem a permanência da chama que a tua língua provoca na minha. Que impedem o meu corpo de encontrar o teu. Que nos castram (todos) os nossos momentos pela ausência. Nessas, é sempre a memória do teu beijo que em mim persiste. Como luz. Sinal de existência. Farol de caminho.

Por isso eu beijo-te Meu Amor. E quero beijar-te sempre!
Em todas as imagens dos teus olhos. Em todas as palavras da tua boca. Em todos os gestos do teu corpo. Em Ternura. Em Calor. Em Húmido. Em Vontade. Em Profundidade. Em loucura.

Em tudo aquilo que seja capaz de te transmitir,
o quanto eu te Amo!

sábado, novembro 04, 2023

INTIMIDADE EM SUSPENSO

Sempre que vens ao meu encontro, trazes em ti um recato de Amor. Nunca vens o vulcão em que te tornas. Não. Vens sempre pé ante pé. Aos poucos. Como que com receio de acordar o lobo adormecido. Primeiro o olhar. Fugidio. Como que de soslaio. Seguido de umas poucas palavras. Os lábios que começam a arquear até ao sorriso. Para só mais tarde as mãos. Essas que igualam as minhas em dimensão. Em forma e em toque. Em pequenos encontros fugazes. De sensações.

São assim os regressos. Pequenos reencontros em que não nos sabemos. E vais tentando perceber de mim. Aos poucos. Em pequenos espasmos de curiosidades. Para garantires que sou o mesmo que deixaste. O que preenche as tuas memórias. As emoções guardadas. Em (sempre) pequenas caixas. Aquelas que usas para as coisas importantes. Em salvaguarda do turbilhão da vida.

Aos poucos, vais-te deixando amanhecer. Soltas a face. Vertes algumas palavras pelo meio do olhar. Esse, que resume todas as frases e todos os silêncios. E voltas ao reencontro dos lábios com que nos despedimos para a rarefação de ambos. E assim nos fazermos de novo unidade. (Re)descobrirmo-nos nas loucuras partilhadas. Nas gramáticas dos peitos ofegantes. Nas gotículas na pele. E nos detalhes dos corpos em tumulto.

Sempre que vens ao meu encontro, trazes em ti um recato de Amor.
Intimidade em suspenso que as mãos deixaram uma na outra.
Para um novo mergulhar que responda a todos os silêncios.

Aqueles que se fizeram.
Quando em solidão chamei por ti.
 

sábado, outubro 28, 2023

NÃO ME LEMBRO

Não me lembro das tuas últimas palavras de hoje. Aquelas que ficaram para trás de ti, antes de fechares a porta. Não me lembro. Não me lembro de nenhum som articulado senão da imagem dos teus lábios a dizê-las. Pelo espelho do quarto. Onde pouco antes partilháramos uma vez mais todos os silêncios. Aqueles. Que têm não mais que a espessura da tua pele. Sobre a qual dizias que todos os gestos aconteciam sempre pela primeira vez. Por mais repetidos que fossem.

Sempre pensámos que daríamos pelo mais pequeno engano. Alguma inflexão, uma vírgula a mais, ou algum querer novo que não encaixasse no que erámos. Mas no tempo fomos cedendo. Às fúrias. Às novas. Mas também às antigas. Impossíveis de conter nas barreiras de qualquer calendário. Aquelas que ficam guardadas nas traseiras da pele. Onde cada um de nós acontece sem que o outro saiba. Sem que por vezes, nós próprios o saibamos.

Nos invernos interiores os olhos andam mais pequenos. Semicerrados. Existimos em espaços exíguos. Sem amplitude que nos permita ver para além da chuva que risca todos os limites. E nada nos consegue aquecer como num qualquer início. Como no dia em que dissemos para sempre. E éramos verdade. Hoje dizemos até logo. E não somos certeza.

Não me lembro das tuas últimas palavras de hoje.
Apenas da imagem dos teus lábios a dizê-las pelo espelho do quarto.

Acho que não te voltarei a ver.
Ninguém regressa de tão longe dos lugares da memória.

sábado, outubro 21, 2023

ELEMENTOS

Vazio das tuas mãos, todo o tempo é um lugar inóspito.
Existes em mim em todos os momentos, mas somos feitos de distâncias que por vezes parecem intransponíveis. É então que somos como que um acto de fé. Pequenas ilhas. Absolutamente líquidas. Cuja base mais firme é a âncora de um barco à deriva. Feito eu.

Quero ser continente. Preso a ti sob a base do teu chão.
Que me sejas terra. Ar. A outra metade que sustenta as minhas insuficiências. Me assegura os caminhos e impede que me perca. Por não os teus dedos em mim. Agarrando-me e fazendo-me teu. Por não as tuas mãos em mim. Percorrendo-me e dizendo-te minha.

Quero ser fogo. Sempre. Percorrer o sabor da tua voz na magia dos sussurros. Dos descontrolos impossíveis. Em contínuo. Ter o teu pescoço como farol. Que me orienta para a tua boca. Para nela me perder numa medida que número nenhum é capaz de dizer. Infinito de paixão. No qual tudo cabe. Sem medida. Ou sequer escala.

Quero contigo ser, e não apenas existir.
Acompanhas-me?

sábado, outubro 07, 2023

A TUA AUSÊNCIA

Desculpa hoje não ter palavras.
Todas as mãos estão fechadas e todos os braços me apertam o corpo.
Não há horizonte para lá das minhas varandas interiores. Em escuro. Sou apenas sombra. Caminhos curtos. Becos. Minha voz perde-se nas minhas próprias paredes. Sem melodia ou sentido. E eu não me reconheço em nada. Em sítio nenhum. Sou pó. Sobras de outras línguas. Sílabas por dizer.

Hoje não tenho palavras. E dói-me.
Dói-me ser silêncio. Peso. Ausência de som. Que não sendo dito estrilha. Em rasgos. Pequenas lâminas de papel. De cortes finos, invisíveis. Porque assim me é a inexistência da tua presença. Paralisa-me. Não me permite. Aniquila-me e não me deixa ser eu. Pelo que tudo o que resta é apenas isto: o não eu. Que se confunde. Que me confunde. Me leva a questionar qual deles sou.

Não quero ser este ninguém. Que não conheço.
E no entanto, já vou conhecendo vezes demais.

A tua ausência dói-me.
Hoje, é tudo o que tenho para te dizer.


sábado, setembro 30, 2023

CASAMENTO

Trouxe-te pela mão até aqui, ao lugar de todos os sim.

E como quem olha a vida através dos teus olhos, digo-te todos os prometo.
Porque felicidade só se escreve com as letras do teu nome.
Porque tu estás na origem de todas as minhas palavras.
Porque és tu. Em tudo. Como coisa única. Sem partes.

Por isso agora diz-me.
Diz-me que o verão nunca é eterno. Diz-me que dias de inverno também virão. E que todas as estações passarão por nós mas tu, tu sempre estarás aqui comigo. Porto para a minha frágil embarcação emocional. Em querer. Em seguro. Em ficar.
Tu Sabes dos meus braços cansados. Sabes das minhas sombras. Sabes que por vezes preciso tanto delas como do sol. Sabes que elas são tanto eu como a luz.

Por isso Meu Amor, diz-me.
Diz-me não que ficarás, mas que te irás esforçar.
Diz-me não que seremos sempre nós, mas que irás lutar.
Diz-me não que a vida será sempre bela a teu lado, mas que no fim de todos os túneis tu estarás lá.
Diz-me.
Diz-me porque eu, eu já não me sei sem ti.

E o Amor,
esse,
já só se diz pela tua voz. 

sábado, setembro 23, 2023

NÃO PARTAS AINDA

Onde vais? Deixando-me aqui sozinho a soletrar carinhos com a ponta dos dedos. É cedo ainda. E as palavras que semeei na tua pele ainda não ganharam raízes. Não têm força de subsistência. Por isso não partas. Ainda. Não me deixes sozinho. Sob todo o silêncio. Espera que a luz das letras forme o dia. Deixa que as frases nasçam. Espera uns minutos mais só para que se desenvolvam. E quem sabe, formem um texto. Que te seja ternura. Ou quase ternura. E que te leve a ficar. Umas letras mais. Um verso. Uma estrofe. Ou na loucura até todo um poema.

Não partas ainda. Há todo um tempo vida que parou quando chegaste. E eu não mais envelheci pelo lado de dentro. Onde não sou a minha idade pele. Sou a idade completa dos teus sonhos. E se te vais, todos eles esmurecem. Dissipam. E a minha idade torna-se matéria obsoleta. E eu não quero ser só passado. Sem linha de horizonte de futuro. Sem o atrevimento de querer seguir. E apenas ficar. E fazer de toda a luz cantos escuros. E deixar que as palavras apodreçam desarticuladas na minha boca. Indizíveis. Por falta de destinatário.

Tu sabes que é o teu respirar sobre as letras que as alimentam.
Tu sabes que são as correntes quentes da tua voz que as aquecem.
Tu sabes que é a claridade dos teus olhos que as revelam.

Por isso não partas. Ainda.
Deixa-me tentar uma vez mais, escrever o meu nome no avesso da tua pele.

Onde estás agora?


sábado, setembro 16, 2023

DOEM OS DIAS

Sabes Pai, por vezes doem-me os dias.

É tremendo o peso que carrego sobre os ossos dos pés. E os dias doem. São pálpebras de pedra que batem contra todos os espelhos. Racham. Esmagam. Pela dor, chego a desejar o esquecimento. Deixar de ser eu frente a este mar imenso de nomes a que outros chamam vida. Não ser nem
memória. Ser apenas silêncio. Ou olhar. Por cima do ardor.

Doem-me tanto os dias às vezes Pai.
São toda uma devastação. São as feridas de todos que me rasgam a pele. Tudo sangra. Como espinhos numa garganta que canta. Canta a sua dor numa tentativa parva de purga. Porque a dor não se purga. A dor não se expele ou sequer se aniquila. A dor vive em nós. Em pequenas trevas. A dor somos nós. Em pequenas lâminas.

Doem-me tanto os dias Pai.
Na lembrança das coisas, vejo todas as despedidas. Todas as casas agora sombriamente vazias. Todos os abraços dissolvidos. Leitos desfeitos. Palavras caladas. Há frases inteiras para sempre gravadas no vento. E sinto. Tudo acaba. Tudo morre com o seu nome. Como flores que bebem as jarras. Como raízes que apodrecem a terra. Em silêncio.


Doem-me os dias Pai.
Numa dor que sou todo eu, ouço, vezes sem conta, o mesmo eco:
Porque continuo aqui? 

sábado, setembro 09, 2023

DUETO A SOLO

Caminho descalço sobre as palavras para não as ferir. Por entre o tempo que se derrama sobre as suas letras, por vezes, mora o medo. E como não sei onde fica o seu epicentro (fraturas expostas), de algumas guardo distância. Desconfortos de existência. Como se num carrossel as suas letras formem uma magnetização própria. Que me atrai em contínuo. Delas fujo. Não as uso. Em cobardia. Por não saber o que depois delas fica. Por não saber como ficas.

Há quem seja comum. Pouco acrescento. Mas não tu. Gosto de te ver chegar ao texto. Demorares-te nele. Ver os teus olhos navegarem pelas suas ondas. Os arqueios dos teus lábios a acompanhar a sua navegação. Os brilhos surgirem nos salpicos deixados pelos ventos amenos que te vão trespassando o peito. E depois da leitura, como quem beija na boca, olhares-me nos olhos. E com o seu silêncio dizeres-me que sou teu. Como quem fala Amor. E o diz numa canção.

Seremos sempre nós por entre as sílabas. Serás sempre embalo.
Condimento das frases. Música. Calor e lágrima. Corpo de texto.

Vagas de sentires.
Dueto a solo.

sábado, setembro 02, 2023

IMENSIDÕES

Nunca quis a profundidade do espaço. Nem toda a imensidão de desconhecido que ele encerra. Com toda a sua beleza e possibilidades, ele é-me apenas excesso. E eu quero-o em mínimo. Em nada. Se ele representa a distância de ti, quero-o ínfimo. Inexistente. Porque todo o espaço é silêncio. E eu transbordo todos os teus. Quero as tuas palavras a serem casa para os meus olhos. O teu olhar as minhas estrelas. E que sejam as tuas curvas a definirem as minhas fronteiras.

Dir-te-ia que te amava ainda antes de te conhecer. Amava a ideia de ti. Aquela a que vieste dar corpo. Mostrando-me o quanto te pensava em pouco. Aterradoramente incompleto. Por não te conhecer. Por te pensar para além de mim. Quando a tua existência é tão profundamente a minha. E sem a tua, ela é tão escassa. É possível eu existir sem ti? Os nossos caminhos nem sempre foram comuns. E ainda assim, os nossos passos foram-se sincronizando para chegarem a hoje.

Esquece o céu. A Lua. As estrelas.
Vamos ver o mar.

No mar tudo se une. Todas as existências se partilham. E nas ondas temo-nos. Em marés. Como vagas em movimento. Ora suaves. Ora em força. Mas sempre em movimento. Como que levando-nos. Como que sendo-nos. Deixa-te elevar pelas ondas. Deixa que o teu corpo flutue. Que seja maré. E que os meus braços te sejam rocha. Te firmem. Como fio vermelho que liga o fim a todos os inícios. Como ponte que une margem nenhuma. Como desculpa para a vida.

Acordamos juntos?

sábado, agosto 26, 2023

O MESMO AR

Com os dedos tocando-se sobre a mesa, olho-te nos olhos e é-me impossível não sorrir naquele instante que é todo o meu mundo. Olhar-te é um diálogo intenso. Absorvente. Onde qualquer palavra é excesso. São ainda tantos os nadas que nunca te disse. Digo-os direto para os teus lábios que articulam também nenhuma palavra. Como em eco. Como quem leva no bolso as chaves da mesma porta. Para as usar no final de todos os dias. Para o repouso dos corpos sob o mesmo lençol. Respirando o mesmo ar.

Sobre a mesa trocamos dedos. Pelas suas pontas tocamo-nos por inteiro. Em harmonias de silêncio. Plenas. Formas incompreensíveis de Amor para os demais. Quem nos olhasse não veria mais que dois silêncios. E no entanto, os toques em toda a sua suavidade, não são menos que desejos intensos. Violentos até, na sua tão grande força de amar. No desvario de todos os sentidos ouço os teus lábios mudos chamar por mim. O teu cabelo ondular brisas de corpos. A tua pele fulminar loucuras nossas. Orquestra de sentidos. Em apogeu. Como se não ali. Como se não mais nada.

As mesas contigo são mundos. Quero as mesas todas.
Quero as tuas mãos sobre elas todas.
E os teus dedos. E os teus olhos.

Respirando o mesmo ar.
Sempre.

sábado, agosto 19, 2023

EM PERTO

Parar. Recompor os caminhos. Evidenciar importâncias e descartar pormenores. Daqueles. Que não nos fazem. Que não são os que nos definem. Mas que tantas vezes assumem a primazia sobre nós. E passamos mais nós a ser eles do que eles a não sermos nós. Respirar. Relembrar propósitos. Reordenar vivências. Música em fundo. E tu em perto. Tu sempre em perto.

Um pássaro pousa na varanda. Olha-me fixo. Diria que calmo. Agitando todos os outros que vivem em mim. Retirando-te detrás da cena (de onde nunca sais). Trazendo-te às palavras. Nesta distância próxima em que estamos, fazemo-nos dois. Mas no entanto, ainda assim, como se todos os pássaros se unissem, os nossos corpos crescem. Fazem-se caminho. Unificação. E são propósito. E são vivência. E tu em perto. Tu sempre em perto.

Olho o horizonte e tento perceber o que os teus olhos vêem neste momento. Fecho os meus para voar o futuro. Com o pássaro vou onde ainda não estamos. Onde tudo é (também) sobre ti. Uma brisa eleva-te. Segue-te até esse lugar onde sempre acontecemos. Onde a música nos diz segredo e onde nos sabemos. Atravessamos impulsos. Bebemos olhares. E somos respiração. E canto. E sangue. Masculinidade de pensamento. Em estremecimento.

Agarra-me agora as mãos e diz-te outra vez minha.
Leva-me onde quiseres. A todos os lados ou a lugar nenhum.
Mas faz (uma vez mais) tudo recomeçar.

Contigo em perto.
Dentro de mim.

sábado, agosto 12, 2023

EM VOZ BAIXA

Nestes tempos de ausência, aprendi a partilhar com a minha sombra o vazio que deixa o toque inexistente da tua mão na minha. O silêncio da tua voz do outro lado de nenhum telefone. O nascer de nenhuma lua que te consiga trazer, sobre o meu nome. E confesso. Confesso que sentir-me rodeado do teu nada, me assusta. Assusta-me não te saber. Assusta-me sentir-me permanentemente deste lado aberto de uma porta fechada. Em incógnita. Em tentativas vãs de adivinhação.

Olho os restos das tuas mãos que repousam sobre as minhas e pergunto-me que cor pode ter hoje o teu nome. Esse. Que repito a cada dia. Em voz baixa. Como uma prece. Para que não morra em mim nenhuma das palavras que te nomeiam. Porque há palavras que por não as articular morrem na minha boca. Amo-te. Quero-te. São nestes dias verbos incomuns. Sem qualquer cor. E eu não consigo fingir que esta permanente espera por ti, me suspende. Deixa como que esquecido numa qualquer dobra de tempo por desfazer.

Porque tu sabes. Tu sabes que há tempos que não passam. Que ficam sempre. Mesmo que não os queiramos contar. Por isso nestes dias conto pedras. Conto mares. Nuvens. Porque esses não são tempo. Nem acumulam. Apenas têm a existência do segundo em que o faço. Enquanto o reflexo da minha imagem numa qualquer água não vem acompanhado da tua. E nele consigo ver. Ver que tu és mais eu do que eu alguma vez fui.

Então corro.
Corro a fechar este meu lado aberto da tua porta fechada.
Não vás tu nela, encontrar o caminho de saída.

sábado, agosto 05, 2023

LINGUAGEM PARA AMAR

Parecem-te fortes estes braços que te sustêm. Que num abraço são capazes de te erguer. Elevar-te acima de ti. Ser-te proteção. Segurança. Mas é porque não sabes. Não sabes quando a palavra Amor. Ou a palavra Beijo. São meras fibras de sementes. Apenas com a força de promessas do porvir. Que se questionam com a expectativa do futuro. Em incógnita. Dúvida.

Parecem-te firmes estas mãos que te agarram. Que seguram as tuas com a firmeza de porto. Te são garantia. Certeza. Eternidade. Mas é porque não sabes. Não sabes quando a palavra Pele. Ou a palavra Boca. São apenas fragilidade de dedos. Incerteza de palmas. Na constante dúvida do saber. Do ir acontecer.

Parece-te firme este tronco que te envolve. Te transmite calor. Aconchego. Batidas. Mas é porque não sabes. Não sabes quando a palavra Amo-te. Ou a palavra Quero-te. É apenas tremor. Inconstância. Debilidade. Doce devastação interior.

O amor no seu tempo futuro, é terrivelmente profundo. Desconstrução. Linguagem para amar. Sem base de saber. Sem perdão na roda da vida. Porque apenas expectativa. Porque apenas quereres. Que não seguem outra lógica que não a dos desejos. Pensar com delicadeza. Agir com ferocidade. Em nome de todas as loucuras contidas. Por sem ti. Aqui. Agora.

O meu corpo é construído pelas palavras. São elas que o fazem. Construído com base em sílabas únicas. Ainda que comuns. Todas elas te dizem. Todas elas te chamam. Sem tempo. Sem lugares. Porque em mim tu existes. Em frases (in)completas. Em palavras. Sílabas. Até à mais ínfima letra.

Em contínua espera.
Pelas tuas.

sábado, julho 22, 2023

UMA VIDA MAIS

Sonho que voo. Sobre a vida abro asas e voando alto encontro um Deus no qual não acredito. Mas ao qual peço: Preciso de uma vida mais. De todas as viagens voltamos sempre mais velhos do que quando partimos. E eu já tenho muitas. Acumuladas. Por entre a chuva, trago a lua que te entrego em mãos, sob o olhar atento do urso que carregas ao peito. Com o seu lado B percorro a casa. Embrenho nos corredores e atrás de cada porta encontro pedaços que escondes. Que não são meus. Que não sei se são (ainda) teus. Ou sequer se são mais que fiapos de bandeira. De um campo de rosas longe no tempo. Perdido. Em lugar incerto.

Preciso de uma vida mais. Mais um ano, um dia, um segundo. Viver-te é tão intenso. E eu preciso de tudo. Uma hora do teu olhar. Um minuto das tuas mãos. Um segundo da tua pele. Onde as viagens sempre recomeçam. Onde com ferocidade sempre me (re)encontro. Consecutivamente. Infinitamente. E onde te peço que venhas comigo. Porque tenho medo que um dia não. E eu fique para sempre na noite escura. Numa viagem sem destino. Num quarto com ecos de passos alheios a ti. Num perfume comum. Que não o teu.

Não me olhes assim. Tu sabes-me. Sou o mesmo de sempre. Cada vez mais assim. Cada vez mais aqui. Sei que decresço. Que todos somos tempo em falta. E que por vezes nada mais carrego senão loucuras devastadoras acumuladas em lágrimas suspensas. Em choros que faço pequenos. Em segredo. Mas tudo o que sou e trago cabe nas tuas mãos. Quando (em carinho) seguram as minhas. E me engolem as montanhas. E me fazem ar. E transformam as lágrimas em gotículas de orvalho. Que deposito com um beijo, nos lábios do teu sorriso. Levantando novo voo.

Uma vida mais. Preciso de uma vida mais. Apenas uma é demasiado pouco.
Para todo este sentimento. Para todos os regressos.

Para nos viver.

sábado, julho 15, 2023

AGORA SOMOS SÓ NÓS

Como um acto contínuo, inevitável, (e por vezes até) absurdo, volto a ti. Agora que os telefonemas diminuiram de frequência. Que as mensagens vão rareando. Que as vidas continuaram (menos a tua). Que os pensamentos aos poucos se foram desviando. Agora filho, agora somos só nós.

Há tantas coisas que acredito que saibas que sinto e que não te sei dizer. Doem em mim todas as palavras que te ficaram a faltar. Todos os metros de caminho que te ficaram por percorrer. O não saber com que pensamento adormeceste. E (num acto egoísta) o acreditar que chamaste por mim, como eu não me cansei de fazer por ti, quando soube que partiras.

- Foi o meu nome que o teu coração articulou na sua última batida?

Agora somos só nós. E o tempo não passa. Permaneço a saber de ti. A ouvir aquelas palavras a perfurar a minha mente. A estilhaçar ecos por todo o corpo. O peito a apertar. As pernas a falhar. E esta sombra que se espalhou dentro de mim. Semeou escuridão. Encobriu todos os prazeres. Relembro os pedidos que em menino me fazias e eu não podia satisfazer.

- Fui eu a tua última e maior falta?

Agora somos só nós filho. E esta dor que é tanta. Doem-me as culpas todas que sinto. Doem-me as memórias que me fazem sorrir. Doem-me as mãos que seguram esta tua foto. Em que correndo ao meu lado olhas a meta. Marcando o ponto a que iríamos chegar juntos. Como eu pensei que sempre aconteceria. Até eu não. Eu. Não tu. Porque assim o determina o normal da vida. E agora, sem ti, como conseguirei eu chegar onde quer que seja?

- Fui eu a tua maior dor na partida?

Agora somos só nós.
E eu não sou mais que um mar de dúvidas. Em tumulto.

Em vazio.

sábado, julho 08, 2023

O MEU SILÊNCIO

O meu silêncio tem o teu nome.
É assim, com este que é o meu sentimento mais profundo. Como os sapatos carregam a poeira dos dias até que a escova a remova, assim o meu silêncio carrega as sílabas que compõem o teu nome. Até que um beijo as faça luz. E penso. O que são as palavras? A que te nomeia é simples. Pequena. Duas sílabas apenas. No entanto tem esta capacidade de gerar convulsões no meu peito. Em expectativa. Quase ânsia. Eco de múltiplas loucuras. Até ao momento em que as bocas estão frente a frente na distância de um beijo por acontecer. Explodindo nos lábios sensações antecipadas. Em desejo.

O meu silêncio tem o teu nome.
Guardo esse silêncio nos recantos de mim. Deixando-o assim. Meu. Até ao momento em que tu. Em corpo. E como um lobo dando sinais da sua fome, tento arrancar pela pele toda a saudade fazendo-o destino. Absorvo-te com o olhar. Um ombro em súplica. Pescoço em espera. Ventre em desalinho. Passo pelo decote do teu corpo que me chama, mas é sempre no olhar. É nesse olhar onde nem sempre chegam as palavras, que começo toda uma revolução. Junto com as tuas mãos. Que me agarram. Fazendo de mim um destino sem dor. Em que te aportas. E me segredas ser minha. E que aquele é o momento. E nada mais importa.

O meu silêncio tem o teu nome.
É assim, com este que é o meu sentimento mais profundo.

Arde em mim no lugar de todas saudades.
Como uma fogueira dos segredos.
Que nunca se extingue.

sábado, julho 01, 2023

NA NOITE

Imersos na noite, minhas mãos deslizam sobre a tua pele procurando pelo teu apaziguamento. És um conjunto de pequenas dores. Sonos em falta. Estranhas palavras que acumulas nos poros. Te prendem as vontades. Arrefecem a vida e te agigantam sombras. Pelas minhas mãos, que te percorrem o corpo procurando pelas dores físicas, expeles as outras, em pequenos suspiros. Os teus, que libertas do íntimo, e os das minhas mãos que suspiram por ti. Que percorrem o teu corpo, mas que era rompendo vontades que queriam estar. Em diálogos surdos de bocas. Em profundo. Em calor.


Deitada deixas-te ir. Os caminhos das minhas mãos elevam-te. Resgatam-te dos meandros dessas pequenas loucuras. Enquanto eu inverto. E mergulho em vontades reprimidas. De te ter. Por completo. Olho-te nesse teu disfrute. Vejo que o teu rosto se abre. Que a tua luz, a pouco e pouco, vai chegando. Voltando a casa. E sinto-te a ir. Já não és tu que estás comigo. Mas o que restou da purga. Apaziguada. Como quem diz sereno. Quase paz. É agora o teu sono que me faz companhia. Me fala de ti pelo teu corpo que permanece em repouso. Inerte. Muito tempo. Como quem não tem do que fugir. Como quem fica porque quer ficar. Como quem está em casa. Em aconchego.

Deito-me ao teu lado e num abraço, cubro-te o corpo. Sincronizo o meu respirar com o teu. E ali. Naquele momento. Somos um só. Em existência. Em físico. E na minha (enorme) vontade de ti. Que permanece desperta. Não dorme. Sentindo-te. E que num repente se agita quando a tua mão, num movimento (inconsciente?) procura pela minha. E a agarra. E apertando-a fica. Como barco que se amarra ao cais. E lhe dá a razão da sua existência.

É noite. É já tarde. É já tão tarde.
E eu fico no desejo que ela não acabe.
Que o dia não nasça.
E que nós sejamos assim. Um só.

Até o amanhecer de uma nova vida.

sábado, junho 10, 2023

NADA EM MIM

Nada em mim cresce agora. Distraído com o passar dos dias, não me apercebi do início da queda. Nem das folhas que indicavam que o tempo estava já magoado. O outono chegou e eu continuava. Feliz. A cantar as promessas da primavera. A esperar os sonhos do verão. Como quem ignora que os sonhos podem ser feridas que não cicatrizam nunca. Permanecem sempre abertas. Que nos levam consigo ao lugar mais profundo de nós. De onde tantas vezes queremos fugir. Achando que por simplesmente o ignorar ele deixa de existir. Quando nele todos os dias se morre um pouco. Do seu silêncio.

Quero hoje o teu Olá. Bate à porta do meu corpo e diz-mo. Como sempre o fazes. No fim do primeiro beijo. Mente-me que me queres. Mais uma vez. Diz-me que não tens horas para voltar e que noite será nossa. Para sempre. Que os retratos sobre a mesa irão ser os nossos. E que será sempre o teu, o perfume na escada. O som dos passos que a percorrem. Eu saberei que não é verdade, mas guardá-lo-ei no lugar dos sonhos. Como segredo. Como quando chamas pelo meu nome para dentro do teu corpo. E eu deixo-me ir. Em desejo.

Pergunto-me agora se é assim me despeço de ti. Longe dos teus olhos. Onde está sempre frio. E são agora as minhas mãos que me despem das vestes. Substituindo as tuas. E o teu nome vagueia rente aos meus lábios. Quase sempre por dizer. Numa quase dor. Na qual aguardo provavelmente o teu regresso. Secretamente. Aqui. Onde é a noite que agora me morde a pele. E me pergunto se o meu nome ainda é articulado em alguma parte do teu corpo. Ou se ele já o esqueceu. Desfigurado. Pelo cansaço de todas as esperas.

Nada em mim cresce agora.
Doem-me os dedos sobre as palavras.
E sou consciência, que o inverno chegou.

sábado, junho 03, 2023

ACORDA-ME AGORA

Nas intermitências da vida, desta que é a nossa, deixei-me encurralar. Eu, que nunca quis ficar presa. Eu, que nunca abdiquei de voar. Fiquei. E durante este ir ficando, fui-me perdendo. Distante de mim. Até à dormência. Até o não querer voltar. Desse lugar onde me fiquei. Ao longo do percurso. Como quem já não quer voltar a casa. Como quem carrega as sombras do caminho. Para com elas encher os espaços (agora) vazios. Todos. E tê-las como companhia.

Por isso, acorda-me agora Meu Amor, e diz-me.
Diz-me que ainda acontecemos. Diz-me que não tenho porque correr. Que a nossa casa (ainda) é a meta. E que já não há caminho a percorrer. E que aqui (ainda) é onde sempre quisemos estar. Mas diz-mo baixinho. Numa língua de carinho. Macia. Com palavras limpas. Não nessa língua suja e estranha, que me atiras. Que me inflama a pele. Me diz todo o inverso das palavras que pronuncias. Como pedras que apanhas do chão. Em ferida.

Acorda-me agora Meu Amor, e diz-me num beijo.
Diz-me que devo ficar. Porque não são os copos que (já não) bebemos. Porque não são as conversas que (já não) temos. Porque não são os carinhos que (já não) trocamos. Mas sim porque (ainda) somos nós. Diz-me que não há nenhum outro lugar onde prefiras estar. Que (também) a tua luz nasce aqui. Que a doçura das palavras não se perdeu. E que ainda somos tudo.

Ou então,
Se o teu beijo já não é capaz de dizer nada disto,
Deixa-me partir.

A ver se ainda não é tarde de mais.
Para me (re)encontrar.

sábado, maio 27, 2023

PEQUENO CRIME

Sem nenhum anúncio chegaste. Trazias nas mãos toda a dor do teu imenso pequeno mundo. E com toda a força nelas o encerravas. Era só teu. Mesmo quando olhavas as mãos vazias em dias de tempestade, e esse mundo não era mais que uma superfície inteiramente líquida. Um mar de ausências no qual mergulhavas. Não para te encontrares. Nunca para te encontrares. Mas para (propositadamente) te perderes. E enquanto ficavas nessa solidão fabricada, eras sempre distância. E frio. Para mim. Por não me conseguires conter nessas mãos, enquanto dançavas descalça uma dança que era só tua. Sobre vidros. E desejavas que a vida não fosse mais que um instante.

Pequeno crime.

Hoje, seguro essas mesmas mãos. Olho-as atentamente enquanto tento abrir caminho por todos os mares. Porque sei que nelas serás sempre tu. Em qualquer lugar. Mesmo que não aqui. Mesmo que não comigo. Porque é nelas que tu existes e onde está a tua essência. Extensão dos teus olhos. Os mesmo que respiro. Em profundo. E através deles viajo como um postal endereçado a um destino desconhecido. Sem importar onde é a chegada. Porque sei que lá (sempre) te irei encontrar.

Já quis ser o teu olhar. Extremidade do teu sol.
Agora apenas quero continuar a viajar nele.
Porque hoje sei que

O meu destino
Sempre serás tu.

sábado, maio 20, 2023

CHEGAS

Esta manhã um pássaro passou. Quase longe. Voava alheio aos teus olhos. Como eu não consigo. (como eu nunca irei conseguir). E no seu voar, senti de perto o teu respirar. Peito oscilante. Realidade dos dias. E mais de perto ainda, esta fome permanente que tenho do beijo da tua boca. Em desejo. Permanente (in)satisfação. E como quem ama as palavras como a um corpo, escrevo-te. Acaricio as sílabas. Deixo que as pontuações sejam topos, e que nelas se abram portas de regresso a esse lago. Ao lugar onde és. E existimos.


Um pouco mais e será noite. Fecha os olhos e sossega. Larga as desventuras à porta do meu corpo e escuta o silêncio. Porque eu quero amar-te na palavra e no corpo. Ser o contrário de tudo o que não é de nós. E na impaciência do teu corpo, cantar-te de dentro de mim o teu nome à boca do ouvido. Enquanto te digo como um segredo, que te Amo. O quanto te Amo. E olhar-te. Olhar-te na dança e no adormecer das pálpebras. E ficar a ver-te dormir. Enquanto os beijos ainda todos na minha boca. Os sulcos das tuas unhas ainda todos na minha pele. O teu odor ainda em todos os meus poros. E ainda com todos eles, numa carícia de olhar, ansiar pelo beijo do acordar. E por isso chamar-te. Uma vez. Duas vezes. Tantas vezes, para dentro de mim. Para que não acordes. Para o mundo não te levar.

Hoje chegaste no voo do pássaro. Ontem foste brisa, som ou odor.
Nunca sei como me vais chegar. Mas todos os dias te espero.
E em todos chegas.

E nunca mais o vazio.
Em mim.

sábado, maio 13, 2023

ACORDAR

 Acordo com o teu nome vindo dos meus sonhos, enquanto na pele transpira a saudade do teu perfume, que a agitação da ausência do teu corpo nela me provoca. É breve o instante em que o reconheço. E a vida é enorme nesse momento. Porque assim são os meus sonhos. Pedaços de ti. Em essência. Nos quais me aconteces em absoluto. E curiosamente sempre em silêncio. Porque não me falas nos meus sonhos? Queria acordar sempre na tua voz, ao invés de imerso nessa matéria efervescente de que são feitos todos os silêncios.

Mas como se as palavras queimassem a boca por dentro, nos meus sonhos não me falas.  Apenas me olhas. Em profundo. Com esses olhos que me absorvem. E nos quais caibo por inteiro. Sem nada em excesso. Talvez apenas os lábios. Esses que se movem para articular nenhuma palavra. Só para os beijos que vou deixando. Em pingos. Nos caminhos da tua pele. Enquanto na minha desenhas sem querer, em gestos que te escorregam dos dedos, inacabados mapas invisíveis. Sem nunca me dizeres qual é o destino que eles servem.

Seguro-te então o rosto entre as minhas mãos. E nos lábios abres um sorriso do tamanho do medo que tenho de te perder, enquanto sinto que o dia começa a despontar. E como se caíssem as sílabas do final de todas as palavras, a imagem começa a perder-se. Os olhos abrem-se. E nesta hora em que as ruas estão desertas, e também lá fora o silêncio impera, é apenas o teu perfume aprisionado na minha roupa que me serve de ponte até ti.

Um novo dia tem início.
Os lençóis estão amarrotados.
E todo o (teu) silêncio é maior que o mundo.
E violência.
De nenhum poema.

sábado, maio 06, 2023

SOMBRAS E LUZES

Alinho as palavras que escolho criteriosamente, uma a uma, com a esperança que elas cheguem a ti. Quero fazê-las melodia. Dar corda à caixa de música que tens no peito. Quero que sejam pauta de orquestra. Alegria de cordas. Esplendor de sopro. Embora saiba que nem todas as palavras são música. Nem todas notas. Somente palavras. Letras alinhadas como estas. Algumas até só espaços. Silêncios. E eu que não sou maestro, que fico triste com o teu silêncio, apenas tenho este desejo de música. Em ti. Explodindo-te sorrisos nos lábios. Enquanto nos meus trauteio a melodia do teu nome. Em segredo.

Vem. Vamos sair esta noite. Traz as mãos vazias e os braços livres. Vamos juntos olhar a lua. Sabes que é na noite que ela mais brilha. É na penumbra que ela melhor é conforto. Deleite. Referência. Sei que vamos olhar lados diferentes. Mas não importa. Só assim a olharemos no seu todo. E então fala-me desses (teus) lados. Que (só) tu vês. Fala-me das (tuas) sombras. Descreve-me as luzes. Os cheiros que delas imaginas. E onde mais te tocam. Se nas tuas sombras, ou nas tuas luzes. Se no teu refúgio, ou no olho da tempestade. Que (me) és.

E depois diz-me.
(para que eu saiba o que fazer com tanto Amor)
Diz-me em qual desses lugares mais me queres.

Para eu (finalmente) saber, onde morar.


sábado, abril 22, 2023

INTEIRA

Por vezes começam assim as histórias mais simples.

O ângulo do sorriso. A brisa a balançar a ponta do cabelo. O olhar a tocar o corpo antes da mão. Os dedos que se tocam sobre a mesa. A magia do instante em que as bocas se aproximam para o primeiro beijo.

Mas a nossa foi diferente.
Fomo-nos surgindo em palavras. Fizemo-las tempo. E espaços. Nelas existíamos. E como quem acaricía o sol, fomos fazendo delas calor. Alimento. E por vezes, na lonjura da tua voz, repetia-as baixinho. Para mim mesma. Para te sentir em mim. Na vibração que elas provocavam no meu peito.

E apenas muito mais tarde, num dia em que apenas o rumor dos meus dedos no teu cabelo era som. Que acontecíamos em espaços nos lábios. Que respirávamos com a violência de um querer urgente. Que a tua voz não tinha palavras enquanto repartíamos sofregamente o silêncio. Que emudeci. Quando ouvi pela primeira vez na tua voz. Em sussurro. Em chamamento. O meu nome.

Foi nesse momento. Em que o teu olhar estava fixo no meu. Que a tua voz o articulou. Que a tua boca o fez real em ti. Que ele passou a ser um nome com significado. Com peso. Completo. Real. Por em voz. Que eu me soube tua. Na palavra grande.

Depois disso, muitos sóis e muitas luas.
Os joelhos que se tocam por baixo dos lençóis. Os pés que se encontram numa intimidade de pele. Serena. Em carinho. Em desejo. Mas por mais vezes que eu vista o teu corpo. Que nele aconteça sempre em excesso. É na tua voz. Sempre na tua voz. Que melhor me encontro.

Porque em nenhum outro lugar, eu me sinto assim.

Inteira.


sábado, abril 08, 2023

PALAVRAS INTEIRAS

Adorei a mala que me deste. É diferente. Distinta. E sei que o fizeste com esse mesmo propósito. Adorei. Mas como dizer-te, sem menosprezar o teu esforço na busca, e o teu empenho na escolha, que preferia que o tempo que passaste a procurá-la, o tivesses dispendido a pensar em mim? Que o tempo que passaste nas lojas, tivesses estado comigo? Os momentos em que as tuas mãos tocaram as malas, fossem meus? Porque é na minha pele que quero os teus caminhos. Não por esse mundo fora. Nos meus olhos o teu estremecimento. Não nas paragens de um qualquer país. Longe do meu olfato. Que por dias e dias formula o teu cheiro. E neles vou tentando ter-te, vestindo quando me deito, esta tua velha camisa desbotada, para te sentir mais perto. Sobre mim.

Mas as distâncias são cada vez maiores. Em espaço. E apenas acontecemos a miúde. Em tempo. Para nos cumprirmos. Nos mínimos. Sei-te longe. Mesmo quando ao meu lado. E por isso hoje tenho ciúmes das palavras que saem da tua boca. Por a tocarem. E querê-la minha. Assim como as palavras. Todas. Para mim. Mas agora só as meias. Não as inteiras. Essas que são carregadas de silêncios.

Sei quais as inteiras que tens guardadas para mim. Há muito que as espero. Mas tu não as dizes. E eu, embora não as queira ouvir, estou já dorida destes silêncios de espera. Por isso diz-mas. Não precisas de as atirar. As palavras ganham peso quando pronunciadas. E as inteiras são muito pesadas. Não mas atires. Pousa-as apenas no meu colo. Onde outrora a tua cabeça. Para a carícia dos dedos no teu cabelo. Pousa-as no meu colo com a delicadeza que conseguires. E podes sair. Deixa-me a sós com as palavras. Estas. Inteiras. As que não queria. As que não têm espaço para silêncios. Mas que são as que tens para mim. Pousadas. Apenas. Não atiradas. Nem gritadas.

Elas já o irão fazer por muito tempo. Dentro de mim.

Vai.
E ao sair não batas com a porta.
Quero ter esse último silêncio de ti, para o poder guardar.


sábado, abril 01, 2023

TOCA-ME. DEVAGAR.

Deixo cair o tempo sobre o teu nome e repito-o a todo o instante nos meus lábios cansados, por ele me faltar ainda em quase tudo. Chegámos ao Amor por um mapa de solidão, e por isso nunca os quero descansar, quando exaustos de todos os beijos que as nossas bocas insistem em conseguir, por tanto se pedirem e quererem. Em união. Contínua. Em desejo. Profundo. Quando juntas.


Elas são as pontes entre a nossa nudez, quando o perfume da tua pele invade o meu corpo vazio pela tua ausência, e nele traças com os teus lábios os caminhos para o nosso lar por acontecer.
Esse, que constróis com os teus dedos, quando neles entrelaças palavras de sonhos por viver, e edificas os alicerces de uma vida que renasce como uma certeza infinita no primeiro dia de cada fevereiro.

Vem. Fica. Não tenhas medo do Amor. Pousa a tua mão devagar sobre o meu peito e sente o meu respirar. Nele encontrarás todas as coisas que em nós não param de crescer. Continuamente florescem, ainda que por vezes o inverno de todo o tempo de ausência. E mesmo que chova ainda, não te importes. Sabes que sempre chove nos primeiros dias de fevereiro. Assim como sabes que são as maiores tempestades que derrubam os maiores muros.

Por isso, toca-me. Devagar.
Chama-me ao teu peito com as tuas mãos.
O meu corpo só reconhece o teu.
E eu nunca sei onde é que ele mais te quer.
É a tua vez, de o desvendares.

sábado, março 25, 2023

COORDENADAS

Percorro os pontos, todos, porque os cardeais não são os teus.
Norte. Sul. Apenas indicações em placas que não te descrevem.
Nunca foste de direções absolutas.
Tal como a bala que no fim da trajetória vai para onde o vento a leva,
também tu segues por caminhos que à partida desconheces
apenas com a única certeza de não saberes onde irás chegar.
Num caminho se que faz absolutamente teu, por sem mim.
Sem o meu sussurro no teu ouvido. Sem o meu arrepio na ponta dos teus dedos.
Sem o meu calor no teu ventre.

Quis saber do teu trajeto, porque me queria em ti. Leme dos teus (possíveis) caminhos. Mas o vento.
Partes. Vais. Segues.
Não sabes onde.
Não sabes como.
Não interessa.
Vais. Chegas.

E eu estremeço todas as vezes.
Por não saber.
Se sou ponto de partida.
Ou de chegada.

sábado, março 18, 2023

O FOGO

Aquele foi o momento. Deu por si no meio da casa a arder. Aquela que era a sua. Em formato de vida. Tendo de escolher sobre o que salvar, escolheu o fogo. O que mais se assemelhava a ela. Por querer preservar-se. Manter-se viva. Sobreviver ao desaire. No culminar da surpresa.

Depois disso, foi cinza. Fénix. Renascimento. Nova vida. Porque novas possibilidades. Novas razões. E então quis saber do mundo. Quis saber do que (já) não era. Quis saber de tudo do agora. E, porque (ainda) as mesmas vontades, quis saber dele.

Foi ainda sentindo o ardor do fogo na pele bem como no interior de si mesma, que ao fim de todos aqueles anos que os separavam, num rasgo de (difícil) coragem, lhe falou. Como se fala a um novo velho conhecido. Porque assim eram. Em perto. Em íntimo. Contínuo. Mas há tanto tempo.
Quis dizer-lhe dos quereres. Quis dizer-lhe dos todos e quis dizer-lhe dos nadas. Mas no momento não o sabia. Como ele não a sabia a ela. E foi a medo, mas com todas as vontades. Foi a medo, mas com todas as palavras. Acumuladas. De todos aqueles anos. De todas as ausências. De todas as urgências. Abafadas. Até de si. Não sabendo o que esperar. Que premiu o botão.

Dividida entre o (profundo) querer e a (falsa) esperança que não. Entre o querer, mas não saber o que esperar. O acreditar na resposta, mas (até) chegando a duvidar da mesma. Que ficou a olhar o monitor. Algumas poucas (longas) horas. Em espera infinita. Tempo em excesso. Até que o brilho. Até que o retorno. Sem reservas. Sem limites. Em continuidade de tudo o que (até então) não tinha sido. Como um hiato temporal anulado instantaneamente por um acontecimento de vida. Mas com (muito mais) vontades. Com (muito mais) intensidade. Com (ainda mais) vida. A que era dele. E (agora) também dela.

Porque há fogos que nos consomem, mas que por isso nos renascem.
E por isso, os chegar a desejar. E por isso o neles mergulhar.

Como num livro. Ou num poema.
Do qual só lemos o fim.
E nada mais interessa.

sábado, março 11, 2023

É CURTO ESTE ESPAÇO

É curto este espaço entre nós.
Uma mão que se estende. Um caminho que se percorre.
E uma eternidade até que as nossas vozes se fundam.

Tens o meu rosto que te espera. Que sorri para os teus olhos.
Eu tenho esta tua luz. Que carregas no teu sorriso.
E que quando me atinge ilumina toda a minha pele. Em arrepio. (sempre em arrepio)
Porque a minha pele não existe sem a tua.
E ambas são tempo. Em espera.
Espera que se esvai neste Amor profundo. No qual eu só existo por ti. Solto pelas horas dos dias.
Preso pela ânsia do teu olhar ancorado no meu. Numa conversa única. Sem palavras.
Em que num só momento, todos os instantes.
Num só momento, a vida inteira.

Hoje, já não somos tempo.
Tempo que leva os instantes em que não estamos.

Hoje, somos apenas presente. Este.
Em que tu me olhas.
Em que o teu sorriso me ilumina através das tuas pálpebras fechadas.
Em que o sangue ferve sob a pele – E todas as urgências.
Em que me enches os poros de um odor único. Só teu.
No qual eu caibo inteiro. Sem nunca me saber. Nem o querer.
E que se transforma neste tempo.

E que é só nosso.

sábado, março 04, 2023

QUERO-TE

Sabes Amor, há coisas que não te sei explicar.

O sorriso que me provoca um raio de sol num fio do teu cabelo. O arrepio que me percorre quando me invades com o olhar. A poesia que sempre encontro espalhada no teu ventre. E até a razão que existe entre a distância dos teus lábios e a ponta dos meus dedos. Em carinho. Em Amor. Até ao fim do toque. Para o beijo. Em braços. Em corpos.

São vários os mistérios para os quais não tenho resposta.

Sei que no alto do meu desejo, te quero sem medida. Que estás no final de todos os meus sonhos. Que encontro sinais de ti até onde não estás. Sem surpresa. Mas (sempre) em encantamento. Sei que é no teu beijo que melhor me encontro. Na tua pele que mais existo. E que é na tua voz, em profundo, em sussurro, em delírio, que mais gosto de ouvir a palavra que me nomeia. No final dos meus dias, todos, em que durante os seus momentos, formulo loucuras com as sílabas do teu nome. Porque todo este esplendor. Que não passa. Porque todo este vislumbre. Que não cessa. Porque todo este ardor. Que não termina. Nunca. Em calor. Contínuo.

Por isso, Meu Amor, não me peças explicações para Ti.

Porque nós não somos explicáveis. Nós existimos(-nos). Não somos justificáveis. Nós somos(-nos). Temos(-nos). Sem necessidade de explicações. Sem necessidade de justificações. E tudo ocorre em normal anormalidade. Porque assim é. Porque assim tem de ser.

Até ao limite, do todo, de cada um de nós.

sábado, fevereiro 25, 2023

PARTES DE TI

Como imagens perservadas num recanto de papel,
tenho partes de ti gravadas nos recantos do meu corpo.

Escrevo as partes sobre o teu nome. Nesse em que me imagino. Em estremecimento.
Num outono longíquo no qual te quero esperar. Em contínuo. Em profícuo.
Na devastação da melancolia do chilrear dos pássaros sobre o silêncio das flores.
Onde as tuas mãos. Nas quais somente eu posso acordar.

Quero rodear-te em todas as pequenas trevas. Na ponta da caneta.
No término dos teus dedos sobre os meus poros. Em movimento.
Na seiva que sobre mim emanas. Porque o Amor.

Tenho partes de ti gravadas nos recantos do meu corpo.
São pequenas madrugadas. Em estrutura. Estrelas.
Pequenas luzes que em conjunto irradiam esta luz.
Que me ilumina. Me divide. Me faz líquido.

Em cada imagem Tu.
Em cada imagem o todo de cada uma das partes.
A profundidade do que (nos) somos.
Nelas mergulho para me encontrar.
Para te ter perto em distância.

Como o braço que suporta a mão.

A sonhar.

sábado, fevereiro 18, 2023

MALA VAZIA

Sabes Amor, hoje acordei triste. Não que o dia não tenha despontado, os pássaros não tenham chilreado, uma criança rido alto, não tenha encontrado uma flor no meu caminho ou não me tenha cruzado com um olá sorrido. Não. Tudo aconteceu normalmente. Apenas eu é que acordei assim. Os sentimentos não se regem pela geometria do mundo, não é?


Acordei triste sem necessitar de nenhuma explicação para isso.
Quis falar-te. Dizer-te de mim. Mas estavas de partida. Saíndo para te levar, deixei que a brisa me embrenhasse para o arrepio do sorriso. Queria que me visses em alegria. E detivesses em ti essa minha imagem. Esperei-te no carro. Sereno. E quando chegaste dei-te a melhor versão de mim. Afinal estavas ali. E isso (não) justificava a minha alegria(?). Recebi-te em ternura. Abraço. E conduzi-te ao aeroporto em carinho. Onde me despedi em saudade. Sentimentos simples. Mas tão cheios de ti.

Na volta, fui fazer a minha mala. Nela coloquei a falta do teu olhar. A ausência da tua pele, logo ao lado da saudade dos teus lábios. Juntei-lhes a memória da voz e das tuas mãos na noite. Em calor. Carinho e sorriso. O teu. Em alegria. E acomodei o sabor do vinho que ficou por beber e o som das notas da música que ficou por ouvir. A todos aconcheguei bem, como se aconchega um filho. Com cuidado. Para ficarem a salvo da vida. As carícias, claro, junto com as palavras, sobrepuseram-se a tudo, como um manto protetor, fechando a mala de seguida. Foi desta forma que te trouxe comigo. Sem olhar para trás, para não correr o risco de não conseguir sair.

Nunca uma mala vazia me foi tão pesada.

sábado, fevereiro 11, 2023

FOI TALVEZ

Foi talvez as mãos.
Fronteiras de Ti. Em delicado. Quando tocam meus lábios.
Se cravam no meu tronco, e me levam para outros lugares.

Foi talvez os olhos.
Onde me procuro em Ti. Mergulho. Em Vertigem. Fundo.
Que encontro mesmo nos lugares em que não estás. E onde tudo ganha sentido.

Foi talvez a voz.
Que primeiro me toca. Nomeia. Vibra em mim. Te diz minha.
Me fala em nenhum idioma. Em pleno. Onde tudo é outra coisa.

Foi talvez a boca.
Plena. Única. Dádiva do teu corpo. Perdição maior.
Que me sorve. Me diz do teu desejo. Me faz absoluto.

Foi talvez a pele.
Odor ímpar. Textura íntima. Respiração confusa.
Na qual me acolhes em abraço de casa. Te dás. Tremes em mim.

Foi talvez todos. Ou talvez nenhum.

Talvez apenas a Lua.
Que em surdina me sussurra o teu nome. Através da minha voz.
Em contínuo.

sábado, fevereiro 04, 2023

POEMA NO BOLSO

Tenho um poema no bolso com a palavra Amo-te. Fala-me de ti.
Do desassossego dos sentidos. Olhares em infinito. Peito rasgado.
Viagens de pele em delírio de sentidos. Em que somos.
Enlouquecedor de futuros, em que nos fazemos.
Os dois como coragem. Os dois como segredo.

Tenho um poema no bolso com a palavra Amo-te. Fala-me de ti.
Fala-me do teu corpo. Do meu. Tão escuro na ausência do teu.
Fala-me da tua boca. Na minha. Onde desejo que me leves em ti.
E onde espero que ainda me tenhas quando voltares.
Que não me tenhas deitado fora. Esquecido o sabor.

Promete-me que o futuro virá.
Que tu voltarás para ler o poema. Deixar-me sussurrar-to ao ouvido.
Como numa prece que não se sabe. Não se decora. Nem existe.
Apenas se sente. Como a palavra que está no poema.
Que me fala de ti. Desassossega. Rasga. Viaja. Enlouquece. E cala.

Tenho um poema no bolso com a palavra Amo-te.

E o poema és Tu!


sábado, janeiro 28, 2023

DOIS DIAS DEPOIS

Dois dias depois, o teu prato continua na mesa.

Em tempo futuro, o mundo continuou a acontecer. Na normalidade dos dias. Essa que não vemos. Nunca vemos. Que na certeza da sua sucessão, chegamos a, por vezes, até os ignorar. Menosprezar. De alguns desejar supressão. Paragem. E que agora são dor. Saudade. Vazio. Falta.

Quero manter-te em mim em calor. E na avidez dos sentidos procuro por ti. Tua voz. Olhar. Sorriso. Aconchego de abraço. Coisas de ti. Simples. Em dádiva. Como sempre Tu. Sempre aqui. Não mais aqui. E incessantemente chamo por ti. Procuro-te assim. Percorrendo os mesmos passos mas caminhando de costas. Pois sei que só no tempo passado te encontro. Quando o possível era a norma. Quando éramos felizes e não o sabíamos. Sonhávamos a cores. E estavas aqui. E o prato tinha utilidade.

Agora, todas as coisas têm o teu nome. Invocam-te. Vejo pedaços de ti em tudo.
Dir-te-ia se pudesse que sou mais teu pai que nunca. Que te sinto como nunca. Ou como sempre. Sem então o saber. Que a tua mãe fez a tua comida favorita e não conseguimos comer. Ficou na mesa. Em silêncio. Ao lado do teu prato. Esperando que te servisses primeiro. Como sempre.
Dir-te-ia se pudesse. Mas palavras são agora mudas. Gritam dentro. Apenas eu as ouço. Em estridência.

Dois dias depois foi há dois meses. Dois anos. Não sei. O tempo tem agora outra medida. Todo ele me parece excesso. Conto-o ao contrário. Não em soma. Em réstia. Em medida para o reencontro.

E o teu prato continua na mesa. Em ausência.

Como Tu. Que não estás.
Como nós. Que apenas existimos.


sábado, janeiro 21, 2023

CONTORNAR O MURO

Revirar gavetas. Revolver os passados. Gavetas fundas. Interiores. Em armários escuros.
(agora) Vazios. Repletos de silêncios. Abrir as portas e retirar as camisas.
As que ficaram. Por não interessarem. Por lhes faltarem um ou dois botões.
Como eu. Com pedaços em ausência. Arrancados. Em parte incerta.
 
Mergulhar nas artérias e navegar os sentidos.
É por elas que circulam os pensamentos. E nos roem. Numa devastação inteligente.
Remanescem nos silêncios. Nos finais. Que repartem a coabitação entre nós e as gavetas.
As que estão dentro dos armários. E as outras. Em partes alheias.
 
Por fim, procurar pelas palavras.
Perceber quais. Para depositá-las na tua boca. Para que cresçam. Floresçam.
Convertam os silêncios em sons. Teus. Que me trazem o teu nome. Em desejo.
Querer profundo que te nomeia. No estertor dos dias. De todos os dias.
Até ao último instante da consciência. À boca da noite.
 
Apenas o teu ventre seca as minhas lágrimas.
E me faz de novo. Em estremecimento.


sábado, janeiro 14, 2023

DESEJOS

Leva-me contigo
 
Na fina linha do teu sorriso.
Nas dobras do teu abraço.
No mais profundo de íntimo que tenhas de ti.
É aí que quero habitar. Nesse lugar.
Onde aconteces a espaços. Pouco a pouco.
Em résteas de ser e de vontades.
Que quero só minhas.
 
Guarda-me em ti.
 
Dentro do toque dos teus dedos.
Tatuado no avesso dos teus lábios.
Aí onde estão as mais profundas marcas do beijo.
Como sombras de realidade.
Onde moram (todas) as minhas vontades.
 
Faz-me casa.
 
Vem com tudo morar em mim.
Volta sempre para este (teu) canto.
Ele tem o teu nome. É apenas teu.
Nele tu existes desde sempre.
 
E Vem.
 
Diz-me que estás a chegar.
Que vens para ficar.
Que deixas que a luz te abrace.
E que eu te seja paz. Calor. E mar.
 
Leva-me. Guarda-me.
Mas vem.
 
Porque sem ti,
Sou apenas um espaço vazio.
Onde a vida não acontece.



sábado, janeiro 07, 2023

TROUXE DE NOVO O CORPO

Trouxe de novo o corpo a este lugar dos impossíveis realizados.
Longo o tempo. Ausência distante. Em pausa de pele. De mãos. De beijos. Mas nunca de vontades.
Essas, onde te aninho em mim. Num canto onde só tu existes. Sem tempo ou espaço. Apenas vontades. Em abundância.
 
Na lembrança total das coisas, tu vives em mim. Desvairadamente.
Neste amor terrivelmente profundo, onde te abrigo, retenho-te.
Nesta linguagem para amar, onde te escrevo, (re)vivo-te.
Nesta devastação de sentidos, onde te sinto, tu existes.
 
Tenho agora esta nova memória do que somos.
Da tua boca. Em palavras e calor húmido.
Das tuas mãos. Em cumplicidades mudas. Indizíveis.
Do teu odor. Na mais profunda intimidade. Em dádiva.
 
Trouxe de novo o corpo a este lugar dos impossíveis realizados.
Neste lugar que é só teu. E onde nada sobra.
 
E somos.