sexta-feira, julho 27, 2007

12 de Novembro de 2006, 22:15



- Pai, vai chamar o enfermeiro…
- Hã ?!?!?!
- Vai chamar o enfermeiro…
- O que é que foi?
- A Mãe… já está…
- Já está o quê?
- A Mãe, Pai… já não respira… A Mãe, Pai… já partiu…

E ele sai do quarto e eu permaneço, ali, a olhar-te…
No corredor, ao fundo ouço:

- …é que parece que ela não está a respirar…

Pai, ainda não acreditas, não é? Ainda te custa…
Pois… eu sei… aquela esperança… aquele não querer interior que seja verdade…
Pois… eu sei Pai… eu sei…

E eu permaneço, ali, a olhar-te…
O teu corpo imóvel… tão quieto… tão parado… o teu corpo… a tua boca… já não respira…

Sabes Mãe, quando cheguei de jantar e te olhei, imediatamente soube.
Imediatamente soube que estavas na caminhada final.
Não sei como, nunca tinha assistido antes a ninguém a fazer essa travessia, mas…
O que é facto é que mal te vi… mal te vi soube-o!

E logo que me sentei ao teu lado vi… vi o teu esforço para cada expiração e senti…
Senti esse esforço a rapidamente se suavizar, quando te comecei a acariciar o braço Mãe…
Enquanto com o pensamento te dizia:
- Descansa Mãe… descansa… deixa-te ir… descansa…

Será que sabias que era eu?
Nunca abriste os olhos desde que cheguei…
Será que sabias que era eu?

Sabias que te acompanhara todo o dia, esse longo domingo, que começou às 7:30, com a nossa chamada para o INEM, seguida da tua ida para o hospital na ambulância - e eu a conduzir como um louco atrás da ambulância… e a espera por noticias… e o Pai sozinho lá dentro (não contigo como pensava – soube-o depois) e o Pai passado tanto tempo… a sair… e a frase… a frase atrapalhada, com as palavras embrulhadas na revolta dos sentimentos que o nó na garganta agarrava:

- Dizem que não podem fazer nada. Dizem que já está em processo de falecimento. Dizem para decidir se quero que fique aqui ou se vai para casa.

E os olhos Pai… os olhos que albergavam toda a angústia do mundo…
os olhos num apelo surdo perguntando-me: “O que faço? O que fazemos?”

E aquele peso… o peso do mundo inteiro em cima de ti…
O peso de toda a vossa vida a dois, sempre juntos, sempre íntimos, unidos, cúmplices, concentrado naquele momento, nas tuas mãos, na tua necessária e obrigatória decisão…

E aquele peso, que com o teu apelo mudo… te ajudei a carregar…
Que tomei sobre mim como se fosse meu… porque era mesmo meu…
Aquele peso… que ainda hoje sinto parte…
Aquele peso… que como chumbo saiu agarrado às minhas palavras…
Aquelas, as únicas que olhando-te nos olhos te consegui dizer:
- Deixa Pai… deixa que eu trato disto!

E eu a entrar naquela urgência Mãe… e com um aceno de cabeça e um sorriso que tu também, a muito custo, de máscara posta, me retornaste… no teu último olhar nos meus olhos…

Nem uma palavra!
Nesse dia, no teu último dia de vida Mãe, nem uma palavra tua ouvi!
Nesse dia, no teu último dia de vida Mãe, nem uma palavra minha, directamente, para ti, tu ouviste de mim…
De mim… homem de tantas palavras…
Nesse dia Mãe… nesse dia só o pensamento falava…
Só o pensamento falava Mãe, o que os sentimentos transbordavam em torrentes de não quereres…

( - - - )

E são tantas as vezes…
São tantas as vezes em que estas memórias do teu último dia me assolam Mãe…
Não outras, não mais, apenas estas…

No dobrar de uma esquina do tempo,
No fim de uma qualquer palavra,
No início de uma viagem de carro,
Numa imagem solta,
Num silêncio momentâneo que inadvertidamente se instala,
Na noite,
No dia,
Num desejo,
Num querer inexplicável,
Num sorriso da tua neta,
Lá estão elas,
Como que à espera por mim,
Como uma inevitabilidade incontornável,

E um nó…

Um nó que aperta,
Cada vez mais fraco,
Mas que sempre aperta,
E as lágrimas sobressaem,
E o pensamento voa,
Assente num fio invisível,
Entre Ti e o Pai,
Esse homem,
Referência de Ser,
Que sempre te soube,
Que sempre te acompanhou,
Que sempre te complementou…

O Pai Mãe,
Com quem agora almoço frequentemente,
Com quem troco agora mais palavras,
Com quem agora sou mais filho,
Mais do que alguma vez fui,
E isso…
Isso a custo da tua partida Mãe,
Da tua partida física,
Porque hoje Mãe,
Hoje,
Sinto-te mais do que nunca!

Beijo para Ti…

40 comentários:

Maria José disse...

Fim.
Saudade.
Solidão.
Sorriso.
Recordação.

Tudo me assolou.
Uma mistura.
Mescla de sentimentos e acontecimentos.

impulsos disse...

Brain
Escreveste tanto e com tanto sentimento!
Está tudo aqui... tudo o que se desprendeu dos teus dedos e que te sufocava nesse nó da tua garganta...
Talvez sejam as palavras que nunca pensaste um dia vir a escrever, porque nunca se está preparado para as perdas de quem nos faz tanta falta!
Mas estão aqui, para quem as quiser ler... e dizem tanto de ti!!

Para ti, um beijo sentido

Phiwuipa disse...

Li...
Reli algumas frases...
Sem saber muito bem o que dizer... Porque o que quer que diga, não serão mais do que um reforçar de muitas outras palavras que foi ouvindo ao longo deste tempo.

Como costumo dizer: As pessoas não morrem, apenas partem antes de nós! Vamos acreditar que sim!

*Beijinhos*

Bom Fim de Semana :)!

R. disse...

________________________!

não consigo dizer mais nada;
um beijo grande,apenas...

NARNIA disse...

Brain
Posso dizer que senti como se fossem minhas as tuas palavras.

13 Outubro 06
O meu pai não acordou :(

Gasolina disse...

22 de Abril.
6 de Dezembro.

E eu aqui.

Um beijo.

...HOJE.SOU.A.PAULA disse...

Migo Lindo,

Penso que entendeste mal o meu "adeus". Não deixei o blog, apenas estou de férias.

Agora aproveitei para dar uma saltada à net, para deixar uma beijoca a todos aqueles que me são especiais, como TU.

Adoro-te.

Anónimo disse...

Ola Brain
Vim aqui por curiosidade,mas ainda bom que entrei.
Porque pude ler o texto mais lindo que alguma vez imaginei ler...
Queria dizer tanto mas diante esta maravilha fiquei sem palavras...
Desejo te um lindo fim de semana cheio de muita paz.
deixo te um
beijo doce
DarkAngel

Calimera disse...

Mãe é Mãe e é para sempre
Magnífico.
Ainda tenho ambos, mas tenho sempre receio desse dia,por muitos motivos, e um deles porque acho que vai ficar muita coisa por dizer
Gostei do teu espaço~.

Hannanur disse...

..............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

Take care

Anónimo disse...

Primeiro, fiquei em silêncio.
Belas e profundas as suas palavras.

(Diálogo habitual com uma menina de 11 anos.
- Mãe, vais demorar??
- Não demoro,,,Não podemos estar sempre juntas...
- Mãe, mas vais demorar???
- Quando eu não estou perto de ti,sabes onde me encontras???
Ai, no teu coração...
È onde vos trago, sempre.
- ...)

Acredito que aí, será onde encontrará a sua MÃE, Sempre!

Um abraço

*Um Momento* disse...

19 maio ... passados 19 anos... e eu aqui... a chorar contigo...
A abraçar-te... a sentir-te, monstruosa dor!!!
Brain...abraça-me, preciso de ti...
Abraço-te muito forte...precisas deste abraço...
Mas sorri...Elas estão aqui...bem dentro do nosso Coração
...........................

Cöllybry disse...

Porque chras se a ausensia é só fisica, está perto mais do que nunca...mas faz sim sempre falta...

Bewijo doce

Phiwuipa disse...

Passei para ver se existiam novidades e para desejar uma óptima Semana :)!

*Beijinhos*

Anónimo disse...

essa saudade que nos rebenta os muros do peito, que nos faz ser mais e melhores qualquer coisa para compensar o vazio que nos ficou das palavras que quyeriamos ter dito e não dissemos, por falta de coragem, por falta de tempo ou talvez por pensarmos que haveriam muitas outras oportunidades. Eu sei...

Jo disse...

senti esse nó agora mesmo, ao ler-te.
tocas.
obrigada.
beijos

Isabel disse...

Não consigo emitir qualquer comentário.
A única coisa que te digo é que é uma perda ( no meu caso o meu Pai, há 11 meses) que nos deixa de rastos e amputados para sempre.

Força e um grande beijo de amiga que sofre contigo.

*Um Momento* disse...

Deixei cair m beijo...no teu coração(*)

Azul disse...

Olá Brain!

Vou contar-te um segredo... Há alturas, como esta, em que penso: "E no dia... no dia em que me faltarem...???" Sinto sempre o mesmo nó no estomâgo, o mesmo aperto no peito, a mesma angústia que me invade e quase em enlouquece. Sei que não sou diferente de ninguém, sei que essa é a lei natural da vida, não tenho medo da morte. Da minha. Mas quando penso que um dia os poderei perder não consigo imaginar a minha vida sem eles. E nun acto puro de egoismo só penso que parta eu primeiro. Mas depois... depois penso que "Não...antes o meu sofrimento do que imaginar o deles."

E como que num estalar de dedos, desligo deste pensamento e vivo como sempre. Um dia de cada vez.

Não consigo avaliar o que se sente, mas tenho a certeza que nunca partem de nós.

Um grande beijinho e um abraço carinhoso.

Azul

Maria-treva-flor disse...

pela terceira vez que tento ler teu texto, mas não consigo passar das primeiras frases...tento escrever qualquer coisa que faça sentido, mas estou certa que não o vou conseguir. Múltiplas janelas da minha mente se abriram e assolam-me de imagens que eu a todo custo quero empurrar para o fundo (aquele cantinho que eu finjo ignorar, onde lateja a permanente dor, a ferida por cicatrizar, mas que aos poucos (quero crer) deixa de jorrar sangue.

Beijo e.terno

Dhyana disse...

Nestas situações, não há nada a dizer, apenas silêncio.
Beijos...

Lu disse...

Um grande texto cheio de sentimento, nestas tuas palavras senti-te e pensei contigo, chorei contigo e deu-me um nó na garganta contigo. É incrivel o poder das palavras.
Um abraço cheio de carinho!

Anónimo disse...

Geralmente não se pensa que as coisas e as pessoas não duram para sempre...porque no dia-a-dia elas existem para sempre no nosso coração. Lidamos com a dor numa autêntica manifestação anti-dor, adiando-a para o momento do choque. Sabemos sempre o que nos espera mas fingimos que não sabemos. Sempre à beira de qualquer coisa e evitamos pensar. E quando pensamos o sobressalto no coração avisa o cérebro para repor outro género de imagens...

Outros, como tu, têm uma bela forma de exorcizar as mágoas, os sentimentos (porque tudo o que corresponde ao passado acaba também por ser algo que impulsiona para a frente!)através das palavras...num dos mais belos e extremos textos que li ultimamente.

Um beijo em fio aqui da Teia.

Anónimo disse...

A vida revela-se ao mundo como uma alegria. Há alegria no jogo eternamente variado dos seus matizes, na música das suas vozes, na dança dos seus movimentos. A morte não pode ser verdade enquanto não desaparecer a alegria do coração do ser humano.
Tagor

Abraço

Anónimo disse...

Brain, Amigo!
Deix-me como se estivesse numa prova, faltam as palavras, apemnas a emoção e lágirimas me lavam um rosto, que tem hoje uma visão mais leve do mundo, do di a dia, porque tu ensinas, com o teu exemplo a viver os momentos a ter sempre respeito pela VIDA.
És SEMENTE de uma grande união, és união com grandes sementes!A ti, com quem tentei algumas vezes dividir o silêncio, mesmo sentindo uma certa "invasão" na tua dor nos teus momentos que passavam a ser contados;consegui chegar por intuição e olhar-te como querendo dizer-te;é para todos Amigo.
Até na viagem desse teu anjo me aproximei mais de ti.
Lindas palavras, Lembranças e tempos em que apetece reviver o passado, dando um lado leve ao peso duma partida.
Porque oa laços ficaram para sempre, entre vós.
Beijos

Unknown disse...

Está tão íntimo que não sei sequer se deva comentar.
Sabes que fazes chorar quem te lê, não sabes?

Um beijo*

Teté disse...

Xi, foi reviver um passado longínquo, faz agora a 25 de Agosto 23 anos. O meu pai, que mergulhou no mar e não voltou, sem qualquer palavra que fizesse antever aquele desfecho...
A dor atenua, mas nunca se esquece!
Jinhos

Anónimo disse...

Confesso-me completamente comovida ...
Não é fácil aceitar e entender este circulo de vida.
Beijito.

Isamar disse...

Um post que te revela. Uma sensibilidade fina, uma gratidão profunda , um imenso amor.
Com as lágrimas a cair, deixo-te beijos e um abraço apertado.Obrigada!

Anónimo disse...

Todos iguais... Uns apenas tiveram a felicidade de ainda não entrar viver estes sentimentos...

Beijos,

encontramo-nos por aí...

Telma Salvador Rodrigues disse...

Com um grande sentimento de tristeza foi como li este teu post... É como se fosse real para mim, como se estivesse lá a assistir ao desenrolar dos acontecimentos sem que ninguém desse por mim. Sem mais palavras, foi como me voltaste a deixar.

Beijos

SAM disse...

Li seu comment no Impulsos e seguindo ao meu, aqui estou. E senti profundamente suas palavras tão sensíveis e reveladoras...hoje meu post foi sobre nascimento. Ganhei uma netinha, filha de um irmão já falecido...e através dessa criança e da sua mãe, sinto-o mais que nunca.

Beijo terno.

Tempestade disse...

Caro companheiro da blogosfera,
As tuas palavras são de facto sentidas.
Há perguntas que perduram no tempo, em perfeita levitação, como se uma ligeira corrente eléctrica as mantivesse nesse estado. À espera da tão ansiada e por vezes... insuportável resposta.
Não sabendo eu tb dar-te essa resposta... quiçá um dia a vida, amigo, todavia deixo-te um abraço fraterno e digo-te que decerto a tua presença naquele momento foi sentida. Tão certo como a fé que sentimos em algo superior e por vezes nos conforta.

Boas férias.

Anónimo disse...

Ola Brain....

Impossivel ler sem que nos olhos brilhem as lagrimas e a garganta se aperte num nó...

Talvez porque no mesmo ano ... eu tambem disse um adeus ... adeus pai...

É tão duro ... uma realidade que sabemos certa ... mas que não conseguimos aceitar com a "leveza" que seria esperada...

Eu, não consigo ainda despedir-me d'Ele... sinto sempre que o vou ver e ouvir...
Talvez um dia... mas não para já...

Beijo sentido
Vity

Rui Gonçalves disse...

Vivi o mesmo no dia 4 de Janeiro deste ano com a partida de minha Mãe, com a excepção de que já não tinha Pai, que tinha partido dois anos antes.

É uma dor que não pára.
Os meus mais sentidos pêsames.

jocares disse...

Bem só agora retornei de férias e chego aqui fico sem palavras!!!

Muito profundo...

Aquele abraço (especial) o qual pode sempre contar.

jocares

por uma lágrima disse...

Li-te banhada em lágrimas.
Susti a repiração para sentir o teu sentir...
Como és lindo, filho!
- Dirá a tua mãe... e digo-o eu também.
Beijo com todo o carinho, com muita admiração

Anónimo disse...

CARO BRAIN

PASSEI POR AQUI... E RECORDEI TB O DIA EM QUE MINHA MAE PARTIU 12 DE ABRIL 2002
FOI A 1ª VEZ TB. QUE ASSISTI A UM FALECIMENTO.

CARO AMIGO. DEIXO-TE UM GRANDE ABRAÇO.
DECERTO TUA MAE ESTÁ ORGULHOSA DO FILHO QUE TEM.

FICA BEM.

Estranha pessoa esta disse...

....

Stella Nijinsky disse...

Brain,

Desculpa só hoje comentar um post que já vi há tanto tempo...

Não consegui ler assim que percebi do que se tratava.

Tiveste uma coragem enorme para o escrever.

Um beijo,

Stella