Num "mundo de loucos", em que as relações interpessoais muitas vezes nos "passam ao lado", vamos, com base nas nossas vivências e alguma imaginação à mistura, fazer deste cantinho um centro de reflexão e de diversão.
terça-feira, outubro 14, 2008
Curtas 21 – “Pára o Relógio”
Acabara de chegar, vindo de um momento no tempo em que apenas tu existias no meu pensamento.
Não chegara montado no meu cavalo branco, não trazia a espada embainhada, nem viera a galope de cabelos ao vento.
Chegara montado num sentimento único e tão cheio de ti, absolutamente e simplesmente cheio de ti, que tudo em mim transbordava um pouco de algo de ti. Eu era Tu, espalhada por tudo de mim.
Estacionado o carro, dirigi-me ao pontão que dava acesso àquela minha velha cabana, que herdara do meu avô paterno. Segurava na mão a enorme chave, ainda agarrada ao velho porta-chaves a que vinha agarrada quando o notário ma passara para a mão após a leitura daquele testamento que a todos surpreendera e em especial a mim.
Naquele momento, aquela chave encerrava em si mesma o acesso a algo que esperava muito bom, mas que a expectativa e a ânsia pelo acontecer, não deixavam anteceder. No entanto… no entanto era uma sensação já nossa conhecida que o tempo se encarregara de amadurecer em nós, resgatando-lhe tudo o que de perturbador poderia conter em si, deixando apenas ficar o doce da espera, o bom da expectativa da espera, no fundo, apenas a certeza infindavelmente reconfortante da espera. De chave na mão e ânsia no peito, dirigi-me para aquele pontão e caminhei até àquele espaço que confinaria todo o nosso mundo naquela noite.
Não havia trazido nada para criar ou sequer compor o ambiente. Não tinha trazido velas, não tinha trazido essências aromatizantes, não tinha trazido nenhum extra, que não apenas a realidade do momento, para a realidade do acontecer. Tu acontecias em mim, sempre em todos os momentos, em todos os actos, em todos os sentimentos, sentidos, poros, respirares, olhares e sentires. Tu acontecias em mim, existindo dessa forma no mais que poderias ser. Não precisaria de nada mais nessa noite, que não “apenas” Tu.
Por isso quando entrei naquele espaço, limitei-me a olhá-lo no relance de um instante sem que a importância dos pormenores fosse algo maior como era sempre meu costume. Rapidamente arrumei as minhas coisas. Tirei do saco a roupa que de manhã conteria em si (sabia-o) as memórias do que se passaria no decorrer da noite e pendurei-a numa das cruzetas que deixaras livres no armário, ao lado da tua roupa, lisa quaisquer de rugas maculadoras das suas formas, assim como liso e sem máculas era o sentimento que dentro de cada um de nós, nos aquecia os dias das horas, as horas dos minutos, os minutos de todos os infindáveis segundos, em que não existíamos um na presença do outro.
Coloquei a música de tons calmos e ambientadores a tocar e fui despojar o meu corpo dos vestígios do cansaço do dia, acalmar a pele da ânsia pela tua que nela já se começava a fazer notar em cada poro e assim, num duche rápido, preparar o meu corpo para a recepção condigna que o teu merecia.
E tudo (eu) estava pronto para o corolário da tua chegada.
E então, o tempo.
O tempo que passava devagar por mim, se demorava por cima de cada uma das palavras do livro que lia, saltava lentamente de letra em letra, desacelerava a cada vírgula, se demorava ainda um pouco mais em cada ponto final. E mesmo na lentidão desse tempo que na tua espera se fazia cada vez maior, as páginas do livro rolavam sob as minhas mãos e estendia esse próprio tempo que insistia em se deter no ponteiro dos segundos do relógio que num repente, resolvi colocar fora do alcance da minha visão, para não contribuir ainda mais para o aumentar do meu desejo, da minha impaciente forçada passividade pela tua espera.
E o tempo era grande. O tempo era maior. O tempo era muito. O tempo não mais terminava.
E eu lia as palavras, e eu folheava as páginas e tu mesmo não estando presente, tu existias ali, como um ser omnipresente maior que o tempo, maior que as palavras, maior que o livro, maior do que eu, que de forma tão pequena, tão infinitamente pequena, esperava por ti.
E então, Tu.
Com um bater leve de nós dos dedos na face exterior da porta daquele nosso pequeno mundo, anunciaste o término da espera pela tua chegada. Impulsionado por uma vontade que me crescia nos pés, me crescia nas pernas, me crescia nas mãos, me autonomizava o tronco e me empurrava em direcção em ti, rapidamente me coloquei junto à porta que de pronto abri, para que tu entrasses. E o momento aconteceu.
Trazendo contigo o eco dos meus desejos e de todas as minhas vontades, entraste no quarto. Atiraste-me de encontro aos sentires um sorriso arrancado do mais fundo de ti e num simples estender de braços encontraste os meus, guiando-me suavemente de encontro a ti e na envolvência de um abraço, sussurraste-me ao ouvido:
“Pára o relógio!”
E o tempo que era tanto, o tempo que era muito, o tempo que se alongava e demorava e teimava em passar d-e-v-a-g-a-r, esse mesmo tempo, no tempo de um instante, tornou-se pouco. O tempo tornou-se calor, materializou-se desejo, realizou-se paixão, fazendo de nós um, tornando-se a ele próprio, o anti-infinito do toque dos dedos, da carícia das mãos, do teu respirar sobre mim e em mim.
O relógio não parou. Mas a magia dos instantes vividos, eternizou os momentos que cruzamos e fizemos nossos. Eternizou as paredes daquele nosso mundo em nós. Eternizou os quereres sentidos num tudo de nós, em nós e para nós.
E com a pressa do tempo a manhã chegou. E foi com a pressa do tempo do relógio não parado, que amanhecemos um no outro. Amanheci em ti, da mesma forma que amanheceste em mim. E a suavidade desse amanhecer, veio com um tudo tatuado na pele. Foi o odor tatuado na pele, foi o respirar tatuado na pele, foi o nosso silêncio tatuado na pele, foi os gestos tatuados na pele, foi os gritos tatuados na pele, foi com os olhares tatuados na pele, foi a tua própria pele tatuada na minha pele e a minha pele, tatuada na tua pele.
“Afinal, não paraste o relógio!” – disseste.
Não.
Não havia parado o relógio.
Mas o tempo, aquele tempo, o nosso tempo, esse…
Definitivamente…
Ficará para sempre…
Parado em mim!
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25 comentários:
Há tempos que fogem ao nosso controle, como se os dedos, as mãos, o pensamento tomassem conta de todos eles, e rapidamente, num passo de magia, dissolvem-se no amanhecer de um no outro.
Foge-nos o tempo, mas o sentimento prende-nos cada vez mais, nesses minutos fugidios.
Mais uma Fantástica, my dear.
Aquele Beijo & Abraço apertadinho
Arrepiaste-me...
Um Beijo*
O tempo de quem ama é sempre diferente do tempo do mundo...
Belíssimo texto.
Beijos
adorei, como spre, este belissimo texto.
a minha relação com o tempo esta muito complicada.
um bjo
Não me canso de dizer
Como é bom vir aqui.
: )
Bonita forma de parar o tempo.
Beijo
BF
Porque me fazes sempre chorar?
***
Olá!!! Estava visitando uns blogs amigos e encontrei o seu!!! Adorei !!!
Bjos no teu coração e bom domingo pra ti!!!
pode-se parar o relógio... ou se tira as pilhas, ou nao se da corda ou de outra forma qq mais ou menos violenta... mas... nunca... mas mesmo nunca se consegue... parar o tempo!
mais umas curtas... hehe...
para quando o livro das curtas!
aquele abraço
As tuas frases são cativantes, envolventes , próprias de um grande escritor . Por isso gosto de te ler , de te "ouvir" .
E porque quem merece prémios , deve recebê-los , deixei no meu espaço uma menção a este blog lindissimo. Quando puderes, recebe-a .
Beijos
Paula
sempre sem saber o que escrever depois de te ler...
há mais para além da leitura nas tuas palavras
quase se consegue lá estar
quase se consegue sentir...
bjs
Vir aqui é sempre um exercício pessoal em que transponho as tuas palavras e ilustro-as com situações da minha vida. Talvez seja por também me descreveres (perdoa-me a presunção)que volto sempre e saio silencioso e circunspecto...pq as tuas palavras tocam sempre mt e bem fundo
sublime...as usually
aquele abraço
walter
Olá!
Já que a falta de tempo me impede de passar aqui com frequência, vim hoje apenas para deixar um beijo e desejar uma boa semana.
Beijinhos
Tempo, que o tempo em ti, pare, que fique estanque à passagem dos outros tempos, que seja o teu tempo entre os tempos.
Tempo. Dentro e fora de nós. tão díspar...
Saudades de te ler.
LC
:))...
Lindo de ler...sem palavras para comentar...
Belo texto; meus parabéns.
Sempre que venho, me surpreendo...
e fico com esse 'tempo parado em mim'...
Beijinhos doces cristalizados!!! :o*
P.S.: Quando terei finalmente o prazer da tua visita lá na minha Rosa de Cristal? Afinal de contas, hoje cansei de esperar e resolvi perguntar diretamente...
depois de tudo vem ainda a deliciosa parte de poder ficar...
um abraço
luísa
A tua escrita é cativante; prende.
Estou ansiosa por ler o teu livro mas estou a ver se consigo "apanhar-te" num lançamento mais próximo.
Até lá vou-me deliciando por aqui.
Bjt
muitos, muitos, muitos parabéns
tenho observado a tua ascensão maravilhosa e desejo-te todo o mais de bom que ainda está para vir.
gostei de ter visto um comentário teu, pois agora fazes parte dos famosos não é;o))))
obrigada e muitos bjs
Olá Brain, posto isto só me leva a comentar que continuas com essa tua sublime e sentimental forma de escrever a que me tinhas habituado.
Gostei muito,
continua Brain.
Um forte abraço.
Realmente inspirei me mesmo naquele teu texto. Adooorei! Hoje já estou um pouco cansada, mas amanha ou assim leio mais uns teus pq gostei bastante da maneira como escreves! Só hoje é que vi o teu comentário pq geralmente ando mais pelo "Escreves comigo", portanto desculpa lá :/
mas gostei bastante da maneira como escreves, é deveras apaixonante! parabéns :)
beijinho *
Ahhh e já agora, tbem leio muitooo . Um de cada vez xD, pq nao gosto de misturar histórias mas em média um por semana!
Mas, este ano para a escola tenho que ler os Maias e eu tou há dois meses no mesmo lovro :O Isto nunca me tinha acontecido antes !
Nao estou mesmo a gostar nada ...
bem beijinho *
já tenho o livro...
está na lista de espera na cabeceira da cama...
entre livros de estratégia e análise de risco, estou a deixar ficar para trás as minhas leituras...
bjs brain e boa semana
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