Era já tarde.
Muito tarde e ela, não parava de andar de um lado para o outro, inventando coisas inadiáveis, só para adiar, uma vez mais, o momento diário em que o inevitável aconteceria. Por fim, numa completa rendição ao avançado das horas, acabou por subir e após a passagem pelo WC, lá acabou por se deitar. Num esforço final de adiamento, ainda ligou a televisão, passou em revista todos os canais, desligando-a de seguida e passando ao livro, mas a este… a este não resistiu e acabou por adormecer com ele semiaberto caído sobre a travesseira.
Então, nos seus olhos cerrados, começaram uma vez mais a correr aquelas imagens.
Imagens que os sonhos lhe traziam sempre, invariavelmente, todos os dias, que lhe perturbavam o sono e não a deixavam repousar.
E como era este o momento pelo qual esperava, entrei. Entrei no seu sonho, resgatei-a para o interior das minhas muralhas e… abraçando-a com um só braço, deixei que repousasse a sua cabeça no meu ombro, a salvo de todas as tempestades que lá fora decorriam.
- Que bom que vieste!
- Então? Continuas com estes sonhos…
- Sim, não consigo que eles me abandonem… podias vir todos os dias…
- Não, não posso. Tens de te libertar deles sem mim.
- Era bom que viesses. Era bom que estivesses sempre ao meu lado.
- Mas eu estou sempre ao teu lado!
- Eu não te vejo…
- Mas eu estou sempre lá! Não te sentiste já muitas vezes observada?
- Sim.
- Não sentiste já tantas vezes em dias frios, um calorzinho que te provoca um arrepio de calor?
- Sim.
- Não te sentiste já contente sem saberes porquê?
- Já… mas poucas vezes…
- Não sentiste já que há dias em tudo te corre bem?
- Sim… mas mais poucas vezes ainda…
- Essas poucas vezes, são aquelas em que ergues barreiras que não me deixam passar.
- Então… Tu existes mesmo? Tu és real?
- Eu sou tão real quanto os teus medos, os teus desejos e as tuas fantasias.
- Então, porque não te vejo sempre?
- Porque eu não posso estar sempre aqui para ti. Tens de aprender a viver bem, apenas por ti.
- Isso é um castigo?
- Não… é uma ajuda!
- Mas, ajudavas-me mais se estivesses sempre comigo!
- Não, não ajudava não… deixavas de saber viver por ti e ficarias dependente de mim.
- Então… como faço para te encontrar?
- Pensa-me, deseja-me, mostra-me que me queres pelo prazer e não pela necessidade.
- E tu vens?
- Não estás a entender. Eu não preciso de vir, eu estou sempre cá!
- Então… porque não te vejo? Sempre? De dia até?
- Porque eu existo num outro plano, numa outra realidade.
- E que realidade é essa? Que plano?
- No interior de ti. Nos teus sentimentos, na tua mente.
- Então como faço para te ver?
- Olha-te no espelho e vê o melhor de ti. De seguida, fecha os olhos e ver-me-ás.
- Assim? Só isso?
- Experimenta e verás que não é “só isso”. Mas sim, basta isso.
- Ver o melhor de mim… e se não houver?
- Há sim! E é muito… e é grande… assim o queiras ver.
...
- Posso te perguntar… como te chamas?
- O meu nome, é aquele que te acalmar, te trouxer memórias boas, te der uma sensação de bem estar, que te proporcione uma sensação de felicidade.
- E qual é?
- Apenas tu o sabes…
- E… o que és?
- O que sou? Simples: sou o que de bom há em ti! Sou aquilo que reprimes em ti, numa parte do teu ser, que manténs trancada e da qual, apenas tu tens a chave.
- Então… como faço para te ter sempre comigo? Assim?
- Limpa da tua mente as más recordações. Limpa de ti os sentimentos negativos. Deixa viver o que de melhor tu tiveres!
- Tu? És Tu o que de melhor eu tenho…
- Não, estás enganada!
- Então o que é?
- És TU!
3 comentários:
humm
Gostei, Brainy.
LoLita para ti.
Olá meu amor.
Antes de qualquer comentário, não posso deixar de te dar os parabéns, com muito orgulho, pelo facto de teres ultrapassado as 2.000 visitas ao teu blog.
Quanto à curta, parece-me ser uma das mais bonitas e melhor escritas, que tenho visto por cá.
Como é bom ter um ou mais Anjos da Guarda. Nós também o somos de nós próprios, mas para além de mim eu tenho mais alguns, guardados bem no meu coração.
Beijos
TUA
muito bom!!!
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