Acabara de chegar, vindo de um momento no tempo em que apenas tu existias no meu pensamento.
Não chegara montado no meu cavalo branco, não trazia a espada embainhada, nem viera a galope de cabelos ao vento.
Chegara montado num sentimento único e tão cheio de ti, absolutamente e simplesmente cheio de ti, que tudo em mim transbordava um pouco de algo de ti. Eu era Tu, espalhada por tudo de mim.
Estacionado o carro, dirigi-me ao pontão que dava acesso àquela minha velha cabana, que herdara do meu avô paterno. Segurava na mão a enorme chave, ainda agarrada ao velho porta-chaves a que vinha agarrada quando o notário ma passara para a mão após a leitura daquele testamento que a todos surpreendera e em especial a mim.
Naquele momento, aquela chave encerrava em si mesma o acesso a algo que esperava muito bom, mas que a expectativa e a ânsia pelo acontecer, não deixavam anteceder. No entanto… no entanto era uma sensação já nossa conhecida que o tempo se encarregara de amadurecer em nós, resgatando-lhe tudo o que de perturbador poderia conter em si, deixando apenas ficar o doce da espera, o bom da expectativa da espera, no fundo, apenas a certeza infindavelmente reconfortante da espera.
De chave na mão e ânsia no peito, dirigi-me para aquele pontão e caminhei até àquele espaço que confinaria todo o nosso mundo naquela noite.
Não havia trazido nada para criar ou sequer compor o ambiente. Não tinha trazido velas, não tinha trazido essências aromatizantes, não tinha trazido nenhum extra, que não apenas a realidade do momento, para a realidade do acontecer. Tu acontecias em mim, sempre em todos os momentos, em todos os actos, em todos os sentimentos, sentidos, poros, respirares, olhares e sentires. Tu acontecias em mim, existindo dessa forma no mais que poderias ser. Não precisaria de nada mais nessa noite, que não “apenas” Tu.
Por isso quando entrei naquele espaço, limitei-me a olhá-lo no relance de um instante sem que a importância dos pormenores fosse algo maior como era sempre meu costume. Rapidamente arrumei as minhas coisas. Tirei do saco a roupa que de manhã conteria em si (sabia-o) as memórias do que se passaria no decorrer da noite e pendurei-a numa das cruzetas que deixaras livres no armário, ao lado da tua roupa, lisa quaisquer de rugas maculadoras das suas formas, assim como liso e sem máculas era o sentimento que dentro de cada um de nós, nos aquecia os dias das horas, as horas dos minutos, os minutos de todos os infindáveis segundos, em que não existíamos um na presença do outro.
Coloquei a música de tons calmos e ambientadores a tocar e fui despojar o meu corpo dos vestígios do cansaço do dia, acalmar a pele da ânsia pela tua que nela já se começava a fazer notar em cada poro e assim, num duche rápido, preparar o meu corpo para a recepção condigna que o teu merecia.
E tudo (eu) estava pronto para o corolário da tua chegada.
E então, o tempo.
O tempo que passava devagar por mim, se demorava por cima de cada uma das palavras do livro que lia, saltava lentamente de letra em letra, desacelerava a cada vírgula, se demorava ainda um pouco mais em cada ponto final. E mesmo na lentidão desse tempo que na tua espera se fazia cada vez maior, as páginas do livro rolavam sob as minhas mãos e estendia esse próprio tempo que insistia em se deter no ponteiro dos segundos do relógio que num repente, resolvi colocar fora do alcance da minha visão, para não contribuir ainda mais para o aumentar do meu desejo, da minha impaciente forçada passividade pela tua espera.
E o tempo era grande. O tempo era maior. O tempo era muito. O tempo não mais terminava.
E eu lia as palavras, e eu folheava as páginas e tu mesmo não estando presente, tu existias ali, como um ser omnipresente maior que o tempo, maior que as palavras, maior que o livro, maior do que eu, que de forma tão pequena, tão infinitamente pequena, esperava por ti.
E então, Tu.
Com um bater leve de nós dos dedos na face exterior da porta daquele nosso pequeno mundo, anunciaste o término da espera pela tua chegada.
Impulsionado por uma vontade que me crescia nos pés, me crescia nas pernas, me crescia nas mãos, me autonomizava o tronco e me empurrava em direcção em ti, rapidamente me coloquei junto à porta que de pronto abri, para que tu entrasses.
E o momento aconteceu.
Trazendo contigo o eco dos meus desejos e de todas as minhas vontades, entraste no quarto. Atiraste-me de encontro aos sentires um sorriso arrancado do mais fundo de ti e num simples estender de braços encontraste os meus, guiando-me suavemente de encontro a ti e na envolvência de um abraço, sussurraste-me ao ouvido:
“Pára o relógio!”
E o tempo que era tanto, o tempo que era muito, o tempo que se alongava e demorava e teimava em passar d-e-v-a-g-a-r, esse mesmo tempo, no tempo de um instante, tornou-se pouco. O tempo tornou-se calor, materializou-se desejo, realizou-se paixão, fazendo de nós um, tornando-se a ele próprio, o anti-infinito do toque dos dedos, da carícia das mãos, do teu respirar sobre mim e em mim.
O relógio não parou. Mas a magia dos instantes vividos, eternizou os momentos que cruzamos e fizemos nossos. Eternizou as paredes daquele nosso mundo em nós. Eternizou os quereres sentidos num tudo de nós, em nós e para nós.
E com a pressa do tempo a manhã chegou. E foi com a pressa do tempo do relógio não parado, que amanhecemos um no outro. Amanheci em ti, da mesma forma que amanheceste em mim. E a suavidade desse amanhecer, veio com um tudo tatuado na pele. Foi o odor tatuado na pele, foi o respirar tatuado na pele, foi o nosso silêncio tatuado na pele, foi os gestos tatuados na pele, foi os gritos tatuados na pele, foi com os olhares tatuados na pele, foi a tua própria pele tatuada na minha pele e a minha pele, tatuada na tua pele.
“Afinal, não paraste o relógio!” – disseste.
Não.
Não havia parado o relógio.
Mas o tempo, aquele tempo, o nosso tempo, esse…
Definitivamente…
Ficará para sempre…
Parado em mim!