sexta-feira, novembro 28, 2008

Injustiçada Justiça

Injustiçada pela vida,
Incorporaste em ti a figura da justiça.

Vendaste os olhos,
Empunhaste a espada,
Mas a balança não.
Falhou-te a balança.

Precisavas da mão livre para segurares as rédeas do cavalo, que mantens sempre em galope livre.

E embrenhada da tua justiça por fazer acontecer, avanças pela multidão que te cerca, degolando, decepando, fazendo-a realidade.

E de olhos vendados, sempre vendados, apenas com os olhos de um sentir que te é sombra, de um sentir que não te deixa ver para além do teu ser injustiçado, avanças… avanças sempre e sempre e cada vez mais e mais e mais. E vais. E prossegues. E não vês. Não vês que o inimigo ficou para trás e que são agora os teus companheiros de lado da batalha que mutilas. E não vês. E prossegues. És uma lutadora. Uma lutadora de vida. Impiedosa como ela sempre o foi contigo. Justa apenas para contigo, pois nunca ninguém mais o foi.

E por dentro do interior da tua armadura sangras.
Sangras as tuas vitórias que são derrotas passadas.
Sangras os teus golpes que desferes defendendo-te de ti.
Sangras um sentir com eco próprio que só tu ouves.
Sangras sobre ti e por ti.

A armadura nunca a tiras. Não sabes, mas tens medo de ti. E dentro dela a sombra guarda-se.
Por vezes baixas a viseira. No limite, tiras o capacete. Mas nunca mais do que isso. Sem ele respiras outro ar e chegas a pensar… ser possível. Mas logo dentro de ti uma nova batalha se despoleta, nessa guerra que te é a vida. Por vezes, é apenas o silvo do vento. Por vezes, ecos de batalhas de outros, mas que tu, logo fazes tuas. E corres a montar o teu cavalo. E maldizendo a vida e a sorte, empunhas de novo a espada (muitas das vezes ainda não limpa da batalha anterior).

E não vês.
Não vês que a espada que carregas és tu. E a guerra que travas é a tua vida.
Não tens descanso.
E fazes-te grande perante o mundo, mas pequena perante ti.

E és em ti mesma,
A própria justiça injustiçada...
...à espera de ser feita.

7 comentários:

Patrícia Mota disse...

Injusto é sempre que cá venho não conseguir deixar um comentario. Confesso-te passo por cá todas as vezes que ligo o computador e, quase sempre, vou embora em silencio. Repito as mesmas leituras vezes sem conta, e nunca me canso.

Apesar de não saber bem o que te dizer, sei que hoje não posso partir em silencio. Senti-me muito perto das tuas palavras, embalada pelas tuas pontuaçoes.

Escreves tão bem que chega a doer.

Um beijo*

Pedro Branco disse...

De mansinho ouso sair da cabana. O vento frio não se faz sentir. O horizonte aparece-me limpo e o terreno em cinzas de Inverno. Ouso dar um passo mais em direcção ao labirinto. Entro? Fico? Avanço! Decidido e forte. Sei da inquietação que ficou dentro da cabana, onde ela ainda dorme no cheiro daquela noite. Tenho de me afastar. Nem olho para trás, claro. A porta ficou aberta para deixar entrar as minhas lágrimas. Que da saudade só conheço a poesia. E da dor o carregado corpo com que me transporto. Mais morto que vivo, é certo. Tenho de avançar. A viagem é longa longa quem sabe eterna... Levanto a cabeça por sobre as estradas de terra desenhadas a carvão. Ergo as mãos sobre a cabeça. Quero arrancar-me um pedacinho que seja desta ausência. Vou. Porque só assim saberei ficar...

as velas ardem ate ao fim disse...

Amei este teu texto!

um abraço quentinho

Raio de Sol disse...

Obrigada pela visita e pelas palavras!
Não conhecia o blog, mas fiquei fã!!!!
Já li alguns textos, mas assim que tiver mais tempo irei ler todos!!
Adoreiii..
Beijinho*

Isabel disse...

Passar por aqui não é ritual mas, sim, necessidade; necessidade de te ler, de tentar acompanhar o teu pensamento. Tal como a Gaivota, muitas são as vezes que passo e me sinto completamente despojada de qualquer palavra que mereça estar escrita neste teu sítio.

Bjt

Twlwyth disse...

Assim se travam lutas intermináveis entre as fronteiras da razão e das mãos que carregam o peso das tarefas sempre inacabadas.

Beijo

Trapezista disse...

E do alto da sua armadura de justiceira... que de tão dormente não sente, a lâmina da espada a esvair em sangue a sua própria pele... que de tão cega não se permite receber as dádivas de cada dia... que sempre lhe pesam leves, na insaciável balança, de sua justiça.

Beijinho meu
*