sábado, junho 03, 2023

ACORDA-ME AGORA

Nas intermitências da vida, desta que é a nossa, deixei-me encurralar. Eu, que nunca quis ficar presa. Eu, que nunca abdiquei de voar. Fiquei. E durante este ir ficando, fui-me perdendo. Distante de mim. Até à dormência. Até o não querer voltar. Desse lugar onde me fiquei. Ao longo do percurso. Como quem já não quer voltar a casa. Como quem carrega as sombras do caminho. Para com elas encher os espaços (agora) vazios. Todos. E tê-las como companhia.

Por isso, acorda-me agora Meu Amor, e diz-me.
Diz-me que ainda acontecemos. Diz-me que não tenho porque correr. Que a nossa casa (ainda) é a meta. E que já não há caminho a percorrer. E que aqui (ainda) é onde sempre quisemos estar. Mas diz-mo baixinho. Numa língua de carinho. Macia. Com palavras limpas. Não nessa língua suja e estranha, que me atiras. Que me inflama a pele. Me diz todo o inverso das palavras que pronuncias. Como pedras que apanhas do chão. Em ferida.

Acorda-me agora Meu Amor, e diz-me num beijo.
Diz-me que devo ficar. Porque não são os copos que (já não) bebemos. Porque não são as conversas que (já não) temos. Porque não são os carinhos que (já não) trocamos. Mas sim porque (ainda) somos nós. Diz-me que não há nenhum outro lugar onde prefiras estar. Que (também) a tua luz nasce aqui. Que a doçura das palavras não se perdeu. E que ainda somos tudo.

Ou então,
Se o teu beijo já não é capaz de dizer nada disto,
Deixa-me partir.

A ver se ainda não é tarde de mais.
Para me (re)encontrar.

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