sábado, dezembro 02, 2023

FRIO

Estão já frias as páginas do livro que deixaste sobre a cama. Calor nenhum da tua pele repousa agora sobre elas. Nem partículas do teu olhar. Ou algum dos ímpetos com que o fechaste para me olhares. Bem dentro dos olhos. Fundo.
- Sempre me soubeste despir com o olhar.

Dizias que no meu peito batia um coração selvagem. E insistias para que eu o libertasse. Enquanto com as unhas me sulcavas na pele passagens para ele emergir. Caminhos de sentido único. Em jeito de lava. Como torrentes. Enquanto com o corpo chamavas pelo que dizias ser esse outro que habita em mim. Rebelde. Desregrado.

Mas eu sempre fui ser dominante. E cobri de gelo todas as fissuras. Selei todos os acessos. E fui sempre eu. Apenas eu. E por entre todos esses bloqueios, fomos acontecendo. Como seres únicos. Que nos reconhecíamos. Em pele. Em Toque. Odores. Existência.

O livro permanece sobre a cama.
Foram momentos únicos. Irrepetíveis. E na sua irrepetibilidade reside o conforto da familiaridade do porvir. Ainda que em surpresa. Sempre em surpresa. Para além de todas as letras. Sobre todos os espaços de silêncios. E de todas as palavras que ficaram por dizer.

Porque as palavras nem sempre são complemento.
E as aspas não nos dizem do texto completo.

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