sábado, outubro 15, 2016

NÃO SEI O QUE VISTE

Quando nasci, não estava um lindo dia de sol. Foi numa manhã fria e cinzenta. De nevoeiro cerrado. Onde nasci, o mar não banhava a praia. Foi no meio de serras. Altas. Feitas muros. Impossibilidades. Não nasci num berço dourado. Numa clínica branca. Esterilizada. Em braços estranhos. O corpo de minha mãe vomitou-me. Num espasmo. Em cima de uns lençóis fétidos das horas. Dos seus líquidos.

E fiz-me fechado. E escuro. E rodeei-me de barreiras. E fiz-me vómitos de palavras. Fétido de sentires. Durante anos. Os anos pequenos. Em que ainda não somos. Vamos-nos fazendo. Levando-nos ao sabor da vida. Curta. Sem saberes. E com poucos sabores.

Não sei o que viste.

Hoje vejo-me nos teus olhos. Um outro de mim. Que desconheço. Que quero ser. Mas no qual não acredito. E deixo-me levar por ti. Pelas tuas mãos que são sol. Contrárias às minhas de nevoeiro. Pelos teus cabelos que são mar. De encontro aos meus que são serra. Pela brancura da tua pele. Em contraposição ao escuro que no fundo... sou todo eu.

Por vezes tudo sangra. Outras tudo se extasia. Porque o menor dos homens - que sou eu - não é nada em face da luz. Onde toda a vida acontece.

E assim vou-te querendo. Querendo-me. Deixando-me levar.
Por ti. Em mim.

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