sábado, abril 08, 2023

PALAVRAS INTEIRAS

Adorei a mala que me deste. É diferente. Distinta. E sei que o fizeste com esse mesmo propósito. Adorei. Mas como dizer-te, sem menosprezar o teu esforço na busca, e o teu empenho na escolha, que preferia que o tempo que passaste a procurá-la, o tivesses dispendido a pensar em mim? Que o tempo que passaste nas lojas, tivesses estado comigo? Os momentos em que as tuas mãos tocaram as malas, fossem meus? Porque é na minha pele que quero os teus caminhos. Não por esse mundo fora. Nos meus olhos o teu estremecimento. Não nas paragens de um qualquer país. Longe do meu olfato. Que por dias e dias formula o teu cheiro. E neles vou tentando ter-te, vestindo quando me deito, esta tua velha camisa desbotada, para te sentir mais perto. Sobre mim.

Mas as distâncias são cada vez maiores. Em espaço. E apenas acontecemos a miúde. Em tempo. Para nos cumprirmos. Nos mínimos. Sei-te longe. Mesmo quando ao meu lado. E por isso hoje tenho ciúmes das palavras que saem da tua boca. Por a tocarem. E querê-la minha. Assim como as palavras. Todas. Para mim. Mas agora só as meias. Não as inteiras. Essas que são carregadas de silêncios.

Sei quais as inteiras que tens guardadas para mim. Há muito que as espero. Mas tu não as dizes. E eu, embora não as queira ouvir, estou já dorida destes silêncios de espera. Por isso diz-mas. Não precisas de as atirar. As palavras ganham peso quando pronunciadas. E as inteiras são muito pesadas. Não mas atires. Pousa-as apenas no meu colo. Onde outrora a tua cabeça. Para a carícia dos dedos no teu cabelo. Pousa-as no meu colo com a delicadeza que conseguires. E podes sair. Deixa-me a sós com as palavras. Estas. Inteiras. As que não queria. As que não têm espaço para silêncios. Mas que são as que tens para mim. Pousadas. Apenas. Não atiradas. Nem gritadas.

Elas já o irão fazer por muito tempo. Dentro de mim.

Vai.
E ao sair não batas com a porta.
Quero ter esse último silêncio de ti, para o poder guardar.


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