sábado, setembro 16, 2023

DOEM OS DIAS

Sabes Pai, por vezes doem-me os dias.

É tremendo o peso que carrego sobre os ossos dos pés. E os dias doem. São pálpebras de pedra que batem contra todos os espelhos. Racham. Esmagam. Pela dor, chego a desejar o esquecimento. Deixar de ser eu frente a este mar imenso de nomes a que outros chamam vida. Não ser nem
memória. Ser apenas silêncio. Ou olhar. Por cima do ardor.

Doem-me tanto os dias às vezes Pai.
São toda uma devastação. São as feridas de todos que me rasgam a pele. Tudo sangra. Como espinhos numa garganta que canta. Canta a sua dor numa tentativa parva de purga. Porque a dor não se purga. A dor não se expele ou sequer se aniquila. A dor vive em nós. Em pequenas trevas. A dor somos nós. Em pequenas lâminas.

Doem-me tanto os dias Pai.
Na lembrança das coisas, vejo todas as despedidas. Todas as casas agora sombriamente vazias. Todos os abraços dissolvidos. Leitos desfeitos. Palavras caladas. Há frases inteiras para sempre gravadas no vento. E sinto. Tudo acaba. Tudo morre com o seu nome. Como flores que bebem as jarras. Como raízes que apodrecem a terra. Em silêncio.


Doem-me os dias Pai.
Numa dor que sou todo eu, ouço, vezes sem conta, o mesmo eco:
Porque continuo aqui? 

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