Não me
lembro das tuas últimas palavras de hoje. Aquelas que ficaram para trás de ti,
antes de fechares a porta. Não me lembro. Não me lembro de nenhum som articulado
senão da imagem dos teus lábios a dizê-las. Pelo espelho do quarto. Onde pouco antes
partilháramos uma vez mais todos os silêncios. Aqueles. Que têm não mais que a
espessura da tua pele. Sobre a qual dizias que todos os gestos aconteciam
sempre pela primeira vez. Por mais repetidos que fossem.
Sempre pensámos que daríamos pelo mais pequeno engano. Alguma inflexão, uma
vírgula a mais, ou algum querer novo que não encaixasse no que erámos. Mas no
tempo fomos cedendo. Às fúrias. Às novas. Mas também às antigas. Impossíveis de
conter nas barreiras de qualquer calendário. Aquelas que ficam guardadas nas
traseiras da pele. Onde cada um de nós acontece sem que o outro saiba. Sem que
por vezes, nós próprios o saibamos.
Nos invernos interiores os olhos andam mais pequenos. Semicerrados. Existimos em
espaços exíguos. Sem amplitude que nos permita ver para além da chuva que risca
todos os limites. E nada nos consegue aquecer como num qualquer início. Como no
dia em que dissemos para sempre. E éramos verdade. Hoje dizemos até logo. E não
somos certeza.
Não me lembro das tuas últimas palavras de hoje.
Apenas da imagem dos teus lábios a dizê-las pelo espelho do quarto.
Acho que não te voltarei a ver.
Ninguém regressa de tão longe dos lugares da memória.
Num "mundo de loucos", em que as relações interpessoais muitas vezes nos "passam ao lado", vamos, com base nas nossas vivências e alguma imaginação à mistura, fazer deste cantinho um centro de reflexão e de diversão.
sábado, outubro 28, 2023
NÃO ME LEMBRO
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