sábado, abril 23, 2016

AO TEU ENCONTRO

Cheguei para sempre a este lugar que és tu. À minha frente o vazio e lá em baixo, a esperança última de te reencontrar. A brisa corre-me entre os dedos. Esses que metia por entre os teus cabelos. No aroma deles. A textura que me afagava. Eu procuro dizer-me que tudo é agora outra coisa. Penso. Mas tudo é menor que a certeza da tua ausência. Essa que trago tão presente em mim e me enche de tanto nada. Os teus braços. Pequenos, doces, em aperto. À volta de mim. E o meu pescoço agora tão só. Tão absoluto de brisa. A tua morte a passar de boca em boca. Os olhares para mim. Sei que todos imaginam a sua própria dor. A dor que é minha e que ninguém quer sentir. Mas ela é minha. Habita-me. Preenche-me. Não deixa lugar sequer ao teu respirar. Penso-te. E a memória de ti não é maior que a tua ausência. Tenho-te. Desde o início de ti que não sou mais apenas eu. E por vezes estou em frente ao espelho como se morresse. Antes morresse. E agora estou aqui como se não fosse mais acordar. O barulho dos carros atrás de mim. Por vezes tudo se ilumina. No pensamento a tua luz abarca todas as minhas sombras. Líquidas. Perenes de ti. Caminho sozinha. Procuro-me procurando-te. Não te encontro. Nunca te encontro. E no entanto, tu sempre em mim. Absoluto. Nasceste-me no dia em que te dei à luz. Conheci-me. Extasiei-me. Elevei-me acima de mim. Conheci um novo existir. O meu existir. Não mais nunca sozinha. Não mais nunca apenas eu. O verdadeiro nós nasceu contigo. Linguagem Amor. E agora eu. Apenas eu. Só eu. Tenho a morte. À minha frente o vazio e por entre os dedos esta brisa. Brisa que me empurra os pés. Brisa que me eleva as pernas e a vedação a não mais existir. A ficar para trás. O barulho dos carros a tornar-se longe. Lá em baixo a esperança única de te encontrar. E eu quero tanto encontrar-te. Uma vontade absoluta. Com ela abarco o mundo. Todo o mundo. Porque é de vontades absolutas que o mundo precisa. É de vontades absolutas que tudo avança se constrói e nasce. E eu preciso renascer. Eu preciso nascer de novo contigo. Mas tu já não és. E eu preciso de também não ser para te encontrar. Lá em baixo a esperança. Neste lugar que és tu. Lembro os espelhos em que tu não estás. Cedo à brisa que agora me empurra. Sinto-me pouca coisa. Sinto-me feita de brisa. O vazio por baixo. As minhas mãos vazias. E nada mais existe senão nós. Tu que já não és mais. Eu que quero não ser. E o tempo. O tempo que nos separa na viagem. A lembrança total das coisas. O querer esquecer. Mas o ver-te. O caminho é leve mas no entanto o tempo. Nada mais nos separa senão o tempo. Falo. Grito o teu nome para dentro de mim. Para a brisa. Quero desesperadamente encontrar-te de encontro ao meu peito. Onde há muito estás. Olho em volta. Apenas trevas e pontos de luz. Riscos de luz e ao fundo a água. Já sinto o aproximar líquido. Infância. A brisa que percorre o meu corpo em queda. Tu que és tanto e eu que não sou nada. Um lugar vazio na memória de ti. Demência. Lugar de esquecimento todo este espaço. Penso. O teu riso. Memória de sons em rigor. Matéria mágica de bem saber. Dor. O meu corpo em estremeço. Linguagem Amor. Dor. A madrugada em movimento. Eu em movimento. Ao teu encontro. Digo-me em queda mas não me sei. Tu ao fundo mas não te vejo. Terror do fim. Imagino-te de braços abertos à minha espera. Perdoa-me. Preciso que me perdoes. Não fui suficiente para ti. Morreste. Eu em movimento ao teu encontro. Terror. Medo que não estejas porque não te vejo. E eu preciso que estejas. O fundo já muito perto. E eu sem te ver. Fecho os olhos. Agora a brisa é apenas um querer. E de repente: a água um estar. Cheguei. Não te vejo. Sangro. Não estás. O rio é masculino.

sábado, abril 16, 2016

TEU NOME

Olho-te, e de ti nada sei.
Quem és. O teu nome. Os caminhos até aqui.
É melhor assim (penso). Passos anónimos. Página em branco.

Não digas nada.
Trarias dores. Cicatrizes. Mágoas a escorrer pelas paredes. Rostos emoldurados.
Palavras Cruas. Invernos e outras ausências.
Falarias de outros nomes em corpos que desconheço.
Braços em força, talvez. Ou sorrisos em ferida. Escuros.

Não me digas nada. Quero-te assim:
Vislumbre de primeiro olhar. Em infância. Corpo anónimo. Em segredo.

Se quiseres, conta-me mentiras enquanto te aconchegas nas minhas palavras.
Nelas tudo é real. Podes concretizar-te. Em desejos. Vontades. Em futuro.
No que não foste. No que queres ser. Noutra vida ou até mesmo na tua. Não sei.
Do teu passado apenas os teus olhos. Profundos. E as tuas mãos. Trémulas.
Que não falam. Dizem de ti. Noites.

Não. Não me digas nada. Deixa ficar assim.
Sem mordaças nem palavras impossíveis. Sem enganos. Sem tabus.
Deixa que o nós aconteça. Que os teus lábios falem os meus. Apenas.

Não quero o engano do teu nome. Em esquecimento.
Já basta o (frio) destino. Que nunca se esquece.
E nunca se engana no nosso nome.

sábado, abril 09, 2016

FOMOS

Preenchi todas as rugas e arranjei cada fio de cabelo. Revi o meu léxico. Anulei a pronúncia, e levei em mãos todas as palavras para ti.
Falei-te. Disse-te do amor. Mas tu (já) não eras mais do que um amontoado de silêncios. Em acumulação. Delírio de significantes. Por saber.

O pão permanecia em cima da mesa. Semi-cortado. A mesa era a mesma e o banco também.
(tábuas velhas - dizias tu). E eu, olhando para elas, só nos via em vida. Tu: o pão fresco, saboroso, ainda morno. Eu: A mesa que te dava suporte. E o banco(?), algo que estava por ali. À procura de se encontrar.
Delírio (meu) de significados.

Tu eras o pão, a mesa e até a própria faca. Tu própria. Apenas. Só. Em autonomia. Não nós.
E eu, mais não era senão o banco. Perdido. Sem função (para ti). Na tentativa de me encontrar. Em significados.

Parei. Olhei-nos no tempo e vi-nos em unidade. Em alegria e carinho. Em toque e pele. Lábios em sorriso. Uma casa única, audível, sensível. Líquida. Quadro distante de uma realidade alheia.
Falei-te. Gritei-te para dentro da pele. Mas eram os teus silêncios que habitavam dentro de ti. Não eu. Não as minhas palavras que não te alcançavam. No profundo.

Pensas. Olhas-me. E de ti monossílabos. Palavras nuas. Isoladas. Em ardor e escudo terrífico. Habitas um lugar longínquo. Em abismo. Conjunto penumbra, lento de várias mortes. Onde não estou. Nunca estive. Nem o banco. Nem tu.

sábado, abril 02, 2016

NUNCA EM MIM A RÉSTIA DO TEU NOME


A paixão é já uma palavra antiga na memória do meu corpo, e a luz que sempre trazias e com que me multiplicavas é a mesma que agora me divide. Fala-me. Chama-me. Mas não me digas do meu nome na tua boca. Porque há na boca palavras aninhadas. Empedernidas pelo tempo. Que não querem ser proferidas de viva voz. Eu digo-te: a minha luz és tu. Mas o que é a luz? Por que palavras se mede o tempo da paixão? Tu não sabes. Sempre adormeceste primeiro e era eu quem me perdia no tempo da contemplação. Sonhavas longe enquanto repousavas das curvas do meu corpo. E eu era o sonho.

Passa ao longe um barco. Devagar. Eu seguro a luz com ambas as mãos num abraço total dos momentos. Mergulho em mim. Já não te sinto. Divido-me. Divides-me. E no frapé ainda a garrafa virada. O gelo derretido no tempo futuro e os copos em ausência. Fragmentos de passado. Como tu. Sou agora um corpo de ausências absolutas. Que te imaginam. Que te sonham. Que gritam baixo o teu nome na sombra dos lençóis, cansados dos dias e das noites em branco. Sem os teus lábios no meu ouvido à boca da noite. Sem as tuas palavras no meu ventre. Sem a réstia do teu nome no meu.

É fria esta luz. Está escuro. E tu agora és só sombra. E tempo. Em falta.

(foto: Mandrake)

quinta-feira, maio 23, 2013

Palavras de ausência

Há palavras.
Várias palavras.
As palavras que nos dissemos
e aquelas que não fizemos nossas em boca
por tanto as sentirmos.

Há palavras.
Muitas palavras, tuas, espalhadas pela casa.
E há o meu nome,
proferido em duas pela tua boca
que não mais irei ouvir.

Há palavras.
Todas as palavras.
E há todo este silêncio, a escorrer pelas paredes
na direcção da tua imagem, emoldurada.



(no dia do meu aniversário, as minhas palavras para ti mãe)

quinta-feira, janeiro 24, 2013

Pai


Diz-me outra vez.
Diz-me onde fica o início de todas as coisas.

Diz-me onde começa o sorriso e como nasce uma flor.
Diz-me onde começa um abraço e como nasce uma cor.
Diz-me onde começa o amor e como nasce uma canção.

Diz-me pai.
Diz-me onde começa a voz e como nascem as palavras.
Diz-me onde começa um olhar e como nascem as certezas.
Diz-me onde começa a ausência e como nascem as tristezas.

Diz-me pai.
Diz-me onde eu começo e tu acabas.
Diz-me onde o meu nome é mais, senão
no momento em que nasce o teu.
Diz-me onde és apenas tu, e não um todo eu.

Diz-me pai.
Diz-me outra vez.
Que eu quero de novo ser menino,
- em casa e outra vez pequenino -
aconchegado nos braços do meu herói.

terça-feira, outubro 04, 2011

(in)existência


Não mais o tempo, nem tu, que lentamente te foste esfumando dos (meus) dias.

Sabia-te viva, porque ainda te sentia em mim.
Sabia-te viva, porque ainda te respirava nos ecos que (agora noutros) reflectias.

Procuravas-te. Sentia-o.
Procuravas-te, enquanto te desprocuravas de mim.

Tu existias algures.
Longe de mim.
Longe das minhas palavras paredes meias com o meu silêncio, que tu (me) impunhas.
E eu, eu aos poucos e poucos fui deixando de saber se ainda me existia em ti.

Vou infinitas vezes aos lugares de nós, com medo que me fales e eu não te ouça.
Com medo que me fales e eu não te responda.
Com medo de perder as tuas frases com palavras para mim e não tas devolva embaladas em palavras minhas para ti.
E que tu, sentindo as minhas portas fechadas, limpes os pés ao tapete pela última vez, antes de embrenhares pelos caminhos da minha ausência em ti.

Vou infinitas vezes aos lugares de nós, mas não encontro a tua voz nos lugares da nossa existência.
Estás num lugar longe de mim.
E eu, muitas vezes imagino-me a esticar (muito) os braços, até ao ponto de te tocar.
Atravesso o teu nome e chego a acreditar que te toco.
Com a ponta dos dedos. Apenas. Ao de leve.
Como um sussurro, por os braços não esticarem mais.
Tão leve que tu não sentes.
Tão leve que tu não me ouves.
Então, abro a boca e recolho o teu nome para dentro de mim, onde te grito.
Tantas vezes te grito.

E tu longe. No teu estado de silêncio.

No imenso desejo de te falar, estive para te enviar uma carta.
Estive para te escrever a palavra amor e te dizer um beijo.
Mas eu não sei se (ainda) a caixa de correio aberta para as minhas palavras.
Mas eu não sei se (ainda) a morada correcta.
Se em risco de outro alguém se apropriar dela.
Se apropriar da minha palavra e ficar com o meu beijo.
E o meu beijo que é só teu e a minha palavra que é só tua, não os quero na boca de outro.
E por isso não a envio.
Deixo-te na tua existência longe de mim.
No teu estado de silêncio.
E levo-te comigo. Sempre.
Guardada como um segredo que se fecha dentro daquela palavra, com o selo daquele beijo. Tão nosso.

...
Nunca as palavras foram um tão grande excesso.
Nunca o silêncio, um tão imenso vazio.